Anais
RESUMO DE ARTIGO - XV ENCONTRO ABRALIC
ESPIRAL ASCENDENTE E HOSPÍCIO É DEUS: MAURA LOPES CANÇADO E A ESCRITA DE RESISTÊNCIA.
ORNELLA ERDÓS DAPUZZO
A escrita de Maura Lopes Cançado é fortemente influenciada pela sua experiência de confinamento manicomial ao longo da vida. Por consequência desse espaço em que se encontrava quando no processo de construção narrativa, é evocada uma voz que tenta traçar sua vida e acaba por realizar um discurso de resistência e denúncia, com irrefutável impacto para si e para o leitor. Essa pesquisa foi iniciada a partir da leitura das obras Hospício é deus: diário I (2015) e O sofredor do ver (2015), nas quais se verificou que o eu do enunciado se apresenta em constante construção de si. Em um segundo momento, foi selecionado o conto Espiral ascendente, buscando uma análise da aproximação de ambos os textos (o conto e o diário), uma vez que percebe-se que a autora não abandona sua temática nuclear: a internação e a busca pela sobrevivência através da escrita no espaço da reclusão em que se encontra. Ainda que se configurem como formas narrativas distintas, é notório o fluxo de consciência da narradora ao longo dos textos. É através da escrita que ela reconstrói o seu eu há muito estilhaçado. Recorrendo aos estudos sobre o gênero autobiográfico propostos por Leonor Arfuch (2010), ao entender que a presença do nome próprio do autor na narrativa não é estatuto que garante a semelhança entre o eu da enunciação e o eu do enunciado, uma vez que "para além do nome próprio, da coincidência empírica, o narrador é outro, diferente daquele que protagonizou o que vai narrar" (pg.54), busca-se analisar as referências e indícios que certificarão o caráter autobiográfico do conto em questão, uma vez que a personagem principal não se apresenta como uma transposição direta do sujeito empírico (autor) de acordo com as noções iniciais estabelecidas por Philippe Lejeune (2014). Ademais, o reconhecimento da intratextualidade – uma vez que estamos diante de alguns trechos enunciativos idênticos aos escritos no diário da autora – pode ser pensado como um mecanismo de reiteração das dores e buscas de si dentro da escrita, além de um instrumento de deslocamento do próprio sujeito da narrativa para reafirmar suas denúncias e resistir à condição carcerária. Por fim, o estudo de Monique Plaza (1986) se fez auxiliar para compreendermos a inscrição da loucura na literatura, como um meio de aproximação da obra com os leitores, uma vez que "identificamo-nos simultaneamente com o louco que se queixa do mundo e com o mundo que se queixa do louco." (PLAZA, 1986, pg.12). É possível afirmar, até o presente momento, que Espiral ascendente se configura enquanto uma narrativa autobiográfica uma vez que manifesta os mesmos limites impostos ao eu personagem de sua obra anterior (diarística), imputada de subjetividades advindas de uma situação de "prisão".
Palavras-chave: MAURA LOPES CANÇADO, ESCRITA DE SI, CLAUSURA
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