Varlam Chalámov foi um escritor russo que passou dezessete anos no Gulag. Praticamente desconhecido no Brasil, foi preso a primeira vez em 1929, tentando divulgar o chamado Testamento de Lênin, uma carta na qual o líder bolchevique criticava Stálin. Com uma pena de três anos em Solovki, foi solto em 1932. No “grande expurgo” de 1937, onde foram presos e fuzilados muitos intelectuais, Chalámov foi preso novamente, desta vez sendo mandado para Kolimá, um dos piores campos do Gulag. Lá trabalhou em minas de ouro, de carvão, passou por campos de trânsito, de castigo, chegou bem perto da morte mais de uma vez, por fome, exaustão, surras, doenças. Sua pena termina em 53, mas só pôde retornar a Moscou em 55, quando foi reabilitado. Morre em 82, cego, surdo, meio louco, um dia depois de ser transferido para uma clínica psiquiátrica. Escreveu muita poesia, uma peça de teatro, cartas, ensaios, contos. Escreveu muito. Depois do campo, passou a vida tentando colocar em palavras a experiência do horror. Sua principal obra é Contos de Kolimá, que começa a ser traduzido por aqui. São seis ciclos de contos, escritos durante vinte anos, compondo um vasto painel sobre a vida nos piores campos do Gulag. Em contos em primeira ou terceira pessoa, Chalámov narra o que viu, o que sentiu, o que sofreu, o que soube por outras pessoas. Exige que sua obra seja vista como “verdade”, pois trata-se, como ele diz, da verdade das marcas deixadas pelo campo em sua pele, em sua alma. A experiência ficcionalizada, a memória que encontra uma forma artística para expressar-se. Experiência, memória, ficção, testemunho, literatura, história. Sua obra é tudo isso, além de ser fundamental para entendermos o tempo em que vivemos. Em 1965 escreveu o ensaio “Sobre a prosa”, praticamente um manifesto sobre a “nova prosa”, que é sua concepção de como a literatura deveria ser depois de Auschwitz, Hiroshima, Kolimá. O fundamento da “nova prosa” é que a literatura deve ser feita por escritores que sofreram na pele a matéria de sua escrita, deve-se escrever apenas sobre o que se conhece muito bem e qualquer um pode escrever. Para pensar a “nova prosa”, Chalámov põe em cena concepções de verdade, talento, memória, experiência. Em jogo também a relação com a tradição literária russa e ocidental e com a própria experiência nos campos. Em 71 Chalámov escreve outro ensaio, “Sobre a minha prosa”, onde retoma ideias do primeiro, mas focando nas questões do papel da memória em sua obra e seus métodos de escrita. Os dois ensaios consistem, portanto, em uma perspectiva do autor sobre sua própria obra, constituindo material essencial para a reflexão sobre as questões trazidas por sua escrita. Esse trabalho visa lançar um olhar sobre a obra do autor russo através desses ensaios, discutindo, sobretudo, os lugares da “verdade”, da experiência, da memória e do testemunho.