O objetivo desta comunicação é apresentar um estudo do pessimismo como protoforma do niilismo em “Ressurreição”, o despretensioso romance de estreia de Machado de Assis, publicado em 1872. O romance, que o autor chama de ensaio, tem por mote o exame da possibilidade ou impossibilidade da “ressurreição” (cura surpreendente e inesperada, nova vida, novo vigor) de duas personagens, Félix e Lívia, que haviam sido marcadas pela frustração de relações amorosas anteriores. A partir do envolvimento com Lívia, Félix esboça uma ressurreição para a vida. O título do livro refere-se, portanto, à ressurreição de um amor, o que não acontece, pois mesmo na ausência de confirmação da infidelidade de sua amada, o protagonista Félix sofre com “dúvidas póstumas” que jamais permitiram conciliar o sentimento e as constantes suspeitas. Fica uma lacuna, uma falta, falha, falência – uma vida sem amor. A incapacidade de amar como forma prévia de niilismo. Félix, incapaz de confiar nos outros, torna-se instrumento de sua própria ruína, rejeita o amor e se condena a um isolamento pejado de ilusões. Antecipa, assim, o desenvolvimento mais complexo do mesmo tema em “Dom Casmurro”. Esta comunicação resulta de uma perspectiva de investigação surgida imediatamente após a conclusão da pesquisa para o livro “A voluptuosidade do nada: niilismo e galhofa em Machado de Assis” (CEI, 2016) e é, portanto, uma posição teórica ainda em desenvolvimento. No trabalho mencionado, propomos a revisão de alguns posicionamentos críticos relativos ao niilismo desenvolvidos e consolidados pela tradição. Identificamos na fortuna crítica machadiana uma sutil, mas sempre presente, necessidade de expurgar a marca do niilismo da obra de Machado de Assis, como se essa pecha configurasse, por si só, um demérito qualitativo. Depois de chamar atenção para a escassez da literatura secundária a respeito do niilismo na obra de Machado, o objetivo central da obra foi o de oferecer tal documentação, mostrando os sentidos que o niilismo assume na prosa machadiana: ora designa a condição humana, ora a feição pessoal dos narradores ou personagens, ora uma característica da sociedade brasileira, sempre como perspectiva a ser galhofada. Constatamos que embora o niilismo na obra do escritor brasileiro apresente várias afinidades eletivas com os conceitos de niilismo europeu e niilismo russo apresentado por autores como Nietzsche e Dostoiévski, ele estrutura-se a partir de questões machadianas específicas que percorrem os seus romances da maturidade: “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (1881), “Quincas Borba” (1891), “Dom Casmurro” (1900), “Esaú e Jacó” (1904) e “Memorial de Aires” (1908). Concluimos que as duas obras narradas em terceira pessoa configuram o niilismo no contexto de modernização do Rio de Janeiro, enquanto nos romances narrados em primeira pessoa os três memorialistas reagem cada um à sua maneira: superação da finitude e negatividade total (Brás Cubas), ressentimento (Bento Santiago) e ideal ascético (Conselheiro Aires). Dando continuidade à pesquisa anterior, em janeiro de 2016 iniciamos o projeto “O trabalho surdo da destruição: o niilismo na prosa do jovem Machado de Assis”. O objetivo geral é argumentar que o niilismo é um leitmotiv dos quatro primeiros romances publicados por Machado de Assis, aparecendo como perspectiva a ser galhofada. As principais reivindicações são: em “A Mão e a Luva” (1874) o pessimismo aparece configurado como protoforma do niilismo; em “Helena” (1876) e “Iaiá Garcia” (1878) o niilismo aparece configurado na dissolução dos valores senhoriais; o jovem Machado de Assis teve uma aguda consciência do caráter complexo e multifacetado da presença do niilismo em seu tempo. Defendemos que o jovem Machado cunha um horizonte próprio de discussão do problema filosófico do niilismo, percebendo-o com penetração e constância; mas em lugar de representá-lo apenas superficialmente, como tema, em cenas e falas de personagens, incorpora-o como elemento funcional da composição literária. Enquanto problema artístico, linha de força literária, o conceito filosófico de niilismo é limado, ganhando algumas características e perdendo outras. Caracteriza-se, nesse sentido, pela polissemia, abrangendo manifestações distintas – vários Leitmotiven, ou variações do leitmotiv em questão. Ao concluir a pesquisa, espero demonstrar que o niilismo é um traço fundamental da ficção do jovem Machado, que se estende por todas as fases de sua obra, e, nessa medida, sua descrição oferece uma contribuição para uma renovada compreensão das dimensões literária e filosófica da obra machadiana, revelando o niilismo como uma perspectiva a ser galhofada.
Palavras-chave: PESSIMISMO, NIILISMO, MACHADO DE ASSIS, NIETZSCHE