Nossa comunicação propõe discutir de que modo, na primeira versão do romance Quincas Borba, Machado de Assis teria formalizado o problema de como a literatura pode apresentar personagens com estatuto de pessoas humanas e morais. Primeiramente, isso se formula enquanto problema ético e estético quando o autor faz sua crítica à poética naturalista. Machado expressou grande incômodo com o modo como os personagens eram apresentados no romance O primo Basílio, de Eça de Queiros: a motivação de suas ações não advinha de um conflito moral e o discurso do narrador os rebaixava a um estatuto animal, num sentido negativo. Segundo, na primeira versão do Quincas Borba, Machado buscava responder ao problema aprofundando o aspecto psicológico, alinhavado à circunstância social dos personagens. Nossa pesquisa levantou evidências de um diálogo com a obra do filósofo alemão, Eduard von Hartmann, que então despontava como pensamento moderno a propor a conciliação de duas visões de mundo antagônicas – o idealismo metafísico e o boom das ciências naturais, que impulsionava mudanças na compreensão da vida e no sentido da verdade. O diálogo teria se dado com a obra Philosophie de l’Inconscient, best-seller das últimas três décadas do século XIX, cuja tese fundamental era a de que o Inconsciente seria o princípio que produz e dirige todos os processos inorgânicos, orgânicos e mentais – para todo o processo material/fisiológico, haveria uma contraparte metafísica, a da vontade inconsciente, que impulsiona a um fim (ideia) ao qual os processos se dirigem. A primeira versão do Quincas Borba, escrita e publicada entre 1886 e 1891, é dentre os romances de Machado o que reúne o maior número de ocorrências da palavra inconsciente, enquanto adjetivo e substantivo, e em suas formas derivadas (inconscientemente, inconsciência etc). Além dessa evidência quantitativa, a análise qualitativa das ocorrências mostrou que apenas nessa versão a noção de inconsciente se apresenta enquanto um conceito. Nela, a mente humana é concebida em uma instância consciente e outra inconsciente. Como parte da primeira, está o raciocinar deliberado, o dar-se conta de si enquanto sujeito único e unitário, além de justificativas racionalizadas para gestos, ações, sentimentos e ideias. Na segunda, residem ideias, significantes, intenções, afetos, memórias, os quais podem vir à tona ou permanecer na inconsciência, sendo reprimidos. Não raro, as causas ou origens secretas e verdadeiras de ações, pensamentos e intenções dos personagens são inconscientes. O inconsciente é também origem de forças e impulsos que pertencem ao sujeito e lhe afetam, ainda que ele não dê por isso. Pela noção de inconsciente, esboça-se a tese de uma busca do indivíduo pela unidade. O inconsciente liga o humano a uma lógica da natureza, ela também inconsciente, mas interna ao personagem e capaz de afetá-lo. Com esses resultados parciais, discutiremos o sentido singular desse conceito na primeira versão do Quincas Borba. O que ele diz sobre a apresentação dos personagens enquanto pessoas humanas e morais? Que resposta estética formula diante das diversas epistemologias que visavam explicar o mundo e o ser humano?
Palavras-chave: MACHADO DE ASSIS, QUINCAS BORBA, INCONSCIENTE