De setembro de 1862 a julho do ano seguinte, Machado de Assis foi um dos colaboradores mais assíduos da revista luso-brasileira O Futuro, editada pelo poeta portuense Faustino Xavier de Novais, então radicado no Rio de Janeiro. O subtítulo da revista, “periódico literário”, não desmentia seu principal interesse: incentivar e divulgar as letras luso-brasileiras. Contudo, outras artes, além da literária, foram valorizadas pel’O Futuro, revista que editou gravuras e desenhos de moda em cores. No que concerne à música, o periódico teve um papel importante na divulgação de instrumentistas e compositores. Publicou duas partituras (uma valsa e uma polca, ambas para piano) e poemas dedicados a musicistas. Ao final de cada número, O Futuro trazia a seção “Crônica”, destinada a comentar os fatos marcantes da vida intelectual, como lançamentos de livros e periódicos, estreias teatrais, reuniões de sociedades literomusicais, entre outros. No total, foram vinte as crônicas publicadas nessa seção. Machado assinou dezesseis, e, em oito delas, a função do cronista muito se aproximou do que hoje chamaríamos de “crítico de música”, ou seja, alguém atento à cena musical, aos artistas e seus projetos, à qualidade e às deficiências das apresentações, à habilidade técnica dos intérpretes. Já na crônica de abertura, datada de 15 de setembro de 1862, é possível notar o interesse de Machado pela crítica musical: o cronista d’O Futuro cita trecho de um artigo de Paul Scudo publicado na Revue des Deux Mondes. O que o musicógrafo francês de origem italiana afirma sobre Wolfgang Amadeus Mozart – que a música despertou em sua alma com o sentimento da vida – é estendido por Machado a Artur Napoleão, jovem pianista português que alguns anos depois se estabeleceria definitivamente no Brasil. Machado tece grandes elogios aos concertos de Artur Napoleão, louvando também seu trabalho como compositor e o diálogo que procura estabelecer com textos literários em suas composições. Além do piano, Machado revela gosto pelo clarinete, instrumento “ingrato”, mas tocado com arte e destreza pelo português Rafael Croner. O “distinto professor de clarineta” Antônio Luís de Moura é lembrado em outra crônica, e sobre sua condição de artista brasileiro Machado faz um comentário um tanto ou quanto desencantado: “dev[e] ao seu merecimento a sua infelicidade, consórcio quase infalível no nosso país”. Estudos como o de José Miguel Wisnik (Machado Maxixe: o caso Pestana. São Paulo: Publifolha, 2008) e o de Solange Ribeiro de Oliveira [“A música na ficção de Machado de Assis”. In: CHAVES; MOREIRA; CARDOSO (Org.). Lembrar Machado de Assis: 1908-2008. Lisboa: Centro de Literaturas de Expressão Portuguesa das Universidades de Lisboa; Missão do Brasil junto à CPLP, 2009. p. 184-198] já analisaram a presença da música em contos e romances de Machado. Nesta comunicação, pretendemos mostrar como a música foi parte indispensável da formação do escritor e contribuir para o estudo de sua colaboração num periódico literário que foi, em certa medida, musical.
Palavras-chave: MACHADO DE ASSIS, MÚSICA, O FUTURO, CRÔNICA