Nesta comunicação apresentaremos as contribuições da atitude metódico-terapêutica praticada pelo filósofo Ludwig Wittgenstein, sobretudo em sua obra póstuma Investigações Filosóficas, e o modo como ela vem sendo ressignificada para se lidar com narrativas literárias contemporâneas na perspectiva dos estudos culturais. Partindo das discussões promovidas em minha pesquisa de doutorado, procuramos apontar para o potencial criador e transgressivo daquilo que temos denominado como terapia de dispersão espectral. A pesquisa propôs três investigações literárias interdependentes, tendo como objeto de estudo as diferentes encenações do feminino e as relações de gênero que as constituem nos e a partir dos contos de três escritoras latino-americanas. Diferentemente de uma atitude hermenêutico interpretativa de busca de um sentido oculto no texto literário, as terapias procedem segundo movimentos de dispersão espectral de encenações do feminino, partindo de rastros manifestos dessas encenações nos atos narrativos dos contos eleitos. Assim, a partir deles, percorremos os envios dispersos em arquivos culturais de uma variedade de práticas culturais que foram/são realizadas em diferentes campos e contextos de atividade humana constitutivos de diferentes formas de vida. Uma terapia de dispersão espectral de encenações do feminino opera visando à descrição de estratégias narrativas manifestas nos contos e de alguns de seus efeitos performáticos de sentido sobre o corpo de um(a) leitor(a) terapeuta interessada em investigar suas significações culturais, percorrendo usos e remissões de tensões de gênero em outros diferentes jogos de linguagem que se entrelaçam numa rede cujos nós se conectam por semelhanças de família. A terapia à qual Wittgenstein submete o discurso filosófico – ainda que a sobre-determinação semântica da palavra “terapia” não se refira, neste caso, propriamente a uma acepção psicológica ou psicanalítica – vem sendo por nós resignificada dessa maneira. Uma terapia de dispersão espectral de um problema ou tema em consideração parte dos efeitos de sentido suscitados em atos de leitura de um texto de partida, no qual tal problema ou tema se encontra literariamente configurado, sobre o corpo de um leitor(a)-terapeuta interessado em investigar tais efeitos, percorrendo seus rastros de significação dispersos em outros arquivos culturais nos quais o problema investigado apareça reencenado em jogos de linguagem transcorridos em diferentes formas de vida. A terapia descreve e investiga semelhanças de família entre jogos de linguagem que encenam o problema de diferentes maneiras, transgredindo a noção comparativista que usualmente se reconhece em determinadas escritas literárias. A terapia propõe a descompactação do ato narrativo de partida e investiga os rastros desses efeitos em diferentes jogos de linguagem, não com o intuito de explicar o texto literário e seus efeitos, nem o de propor uma outra interpretação para ele. A primazia do corpo que participa das práticas culturais, em diferentes formas de vida, é aqui também explorada para se pensar o ato de ler e de escrever. Procuramos destacar, por fim, o papel vital que a literatura desempenha, a partir desta perspectiva, como um movimento do leitor/leitora, desconstruindo hierarquias e privilégios de sentido a que estão submetidas as práticas culturais e os valores ético-estéticos atribuídos aos produtos das culturas.