Anais
RESUMO DE ARTIGO - XV ENCONTRO ABRALIC
DEMONISMO E HOMOSSEXUALIDADE, UM EXERCÍCIO DE LITERATURA COMPARADA
MARIA CECILIA MARKS
No âmbito do universo fáustico que transita do Fausto, de Goethe, a Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, o propósito desta comunicação é abordar uma relação historicamente estabelecida entre demonismo e homossexualidade. Destaco algumas obras do cânone mundial em que o tema aparece, desde a Divina Comédia, de Dante, a Orlando, de Virgínia Woolf, para então adentrar na complexidade da relação de afeto entre Riobaldo e Diadorim, abordando alguns episódios do romance de Rosa. Para tanto, conto com o suporte teórico de Mikhail Bakhtin e de Michel Foucault, entre outros. Como ponto de partida, utilizo um aspecto da cena “Inumação”, que antecede e prepara o desfecho da tragédia de Goethe, em que o diabo enamora-se dos mancebos que conduzem a alma de Fausto à salvação. Tal deslize provocado pelo desejo homoerótico contribui para que Mefisto perca definitivamente a aposta com o Altíssimo. Conforme Haroldo de Campos, esse demônio vencido pela luxúria alinha-se à proposição desenvolvida por Bakhtin para o sistema de imagens rabelaisiano, que inclui os demônios carnavalizados. Bakhtin, em cuja vasta obra ensaística destacam-se os trabalhos sobre Dostoiévski e Rabelais, tinha Goethe como terceiro grande autor objeto de estudo, embora apenas fragmentos de seus escritos sobre o mestre alemão tenham alcançado a posteridade. Podemos salientar o especial tratamento que Goethe recebe nas páginas de A cultura popular na Idade Média e no Renascimento – O contexto de François Rabelais. Bakhtin vale-se de descrições de Goethe sobre o carnaval de Roma de 1788, revelando a extrema compreensão deste para todo o repertório da festa popular e o seu sentido, conjunto de práticas e atividades que o teórico russo enfeixou no amplo conceito de carnavalização na literatura. Crítico e visionário, antecipando poeticamente mudanças de paradigmas sociais e de comportamento, na cena citada, Goethe aborda a homossexualidade de forma paródica, ou, para utilizar uma expressão cara ao próprio autor, como um “gracejo muito sério” Entre as muitas outras citações de Goethe no trabalho sobre o sistema de imagens de Rabelais, Bakhtin também coloca em evidência a percepção goethiana de uma concepção fulcral do realismo grotesco que é a do eterno movimento da vida, em que a morte é parte do nascimento, da renovação, em que morte e vida mantêm uma relação dialética. De acordo com as palavras de Bakhtin, Goethe exprime essa ambivalência “com grau superior de consciência lírica e filosófica” no poema Sagt es niemand: “E enquanto não compreenderes esse ‘morre e renasce’ (stirb und werde), tu não passarás de um hóspede melancólico sobre a terra tenebrosa.”
Palavras-chave: HOMOSSEXUALIDADE, DEMONISMO, BAKHTIN, GUIMARÃES ROSA
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