Anais
RESUMO DE ARTIGO - XV ENCONTRO ABRALIC
LITERATURA IMPURA: REALISMO HÍBRIDO E A FICÇÃO CONTEMPORÂNEA PÓS-AUTÔNOMA
LUCAS BANDEIRA DE MELO CARVALHO
Ainda é possível falar em boa e má literatura? Ou deveríamos substituir os critérios estéticos, que recebemos de uma época em que as artes eram relativamente autônomas – isto é, eram capazes de estabelecer seus próprios critérios de legitimação e suas fronteiras –, por conceitos como importância, atualidade, lugar de fala e representação social, que retiramos de outros campos, como o jornalismo, as mídias sociais e a política? Sinais vindos de setores variados da literatura contemporânea apontam que é sim necessário repensar nossos instrumentos de análise para dar conta da literatura do presente. Desde os anos 1990, como consequência ou sintoma do enfraquecimento da autonomia do campo literário, surgiram novas tendências de diálogo entre ficção e realidade – como, no Brasil, a autoficção, o neonaturalismo, o neobrutalismo, a literatura periférica e uma repolitização da literatura –, diante das quais os critérios puramente estéticos não são mais suficientes. Pesquisadores latino-americanos, como os argentinos Nestor García Canclini (em La sociedade sin relato) e Josefina Ludmer (em Aquí América latina), têm tentado redefinir nossas ferramentas de análise. Canclini propõe a ideia de arte híbrida, em que coexistem elementos de discursos diversos, mas sem que ocorra entre eles uma síntese que eliminaria a especificidade de cada discurso. Josefina Ludmer, por sua vez, desenvolve a ideia de literatura pós-autônoma, formada por obras que não podem mais ser lidas com base em critérios como autor, obra, estilo, escrita, texto e sentido, que são ao mesmo tempo ficção e testemunho, autobiografia, reportagem jornalística, crônica, diário íntimo e até etnografia. Proponho-me a pensar como os conceitos de literatura híbrida e pós-autonomia podem ajudar a compreender algumas obras contemporâneas que se inserem de maneira particularmente ambígua no campo literário. Esses livros – de estilos tão diferentes como Luxúria, de Fernando Bonassi, Reprodução, de Bernardo Carvalho, e Capão Pecado, de Ferréz – seriam formas variadas de literatura impura (termo que uso em contraposição à literatura pura que surge na segunda metade do século XIX com autores como Flaubert), em que muitas vezes o comentário circunstancial da realidade parece encobrir ou conviver com a busca do efeito literário. São obras para as quais os critérios de atualidade e importância são mais úteis do que os critérios estéticos. O resultado é uma mistura de realismo e política, ficção e ato de fala, denúncia e gozo, crítica e resignação, e é nessa ambiguidade que reside a relevância dessa literatura impura para nos ajudar a pensar o presente.
Palavras-chave: LITERATURA CONTEMPORÂNEA, LITERATURA BRASILEIRA, PÓS-AUTONOMIA, CAMPO LITERÁRIO
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