Anais
RESUMO DE ARTIGO - XV ENCONTRO ABRALIC
CHILENO ADMITE DESORIENTAR A POESIA
SAULO DE ARAUJO LEMOS
A poesia de Nicanor Parra é célebre por seu lado humorístico, ressaltado em primeiro lugar no título de uma antologia feita para ela, Chistes parra desorientar a poesia. Tal coletânea, cujo nome é o mesmo de uma obra do autor, é um posicionamento crítico sobre sua poesia, embora certamente não exprima um juízo definitivo. Por meio do banal e do humor debochado, uma aguda observação, um posicionamento político e artístico rigoroso, por meio de um tom que surpreende, com frequência, por insights que beliscam, brotados de uma grande plataforma de despretensão. Nessa poesia, o humor é um ato de cena ou máscara (que se confunde com o corpo que é o poema e se junta a ele), a qual não mostra um caráter puro, o palhaço absoluto (o palhaço, essa potência política tão frequentemente mal-entendida, como em Oswald de Andrade); a máscara-poema mistura deboche e falas sérias, desiludidas, melancólicas, como se pudesse rir e lamentar ao mesmo tempo (o que faz lembrar obras tão pouco lidas, apesar de muito vistas, como os sonetos de Shakespeare ou até a Gioconda de Da Vinci). Trata-se de um ato-máscara como área de indiferenciação, o que diz também de uma afirmação da indiferença (descaso, deboche, crueldade) como nota aguda da diferença. A fala-poema de Nicanor pontua, junto com o que foi dito, uma desconfiança contra a herança metafísica da metáfora, o intelectualismo e mesmo a frivolidade, como uma aparente declaração de niilismo que se desfizesse em poeira a partir de um intenso apelo ao outro. Na atuação transmorfa e adstringente do poema de Nicanor, ecoa uma palavra, que é quase um signo não-linguístico de tão inquieta: desorientar. Ela alude ao gesto de desviar, pensar uma diferença, a poesia como uma inquietude que se afasta inclusive do que parece deixá-la mais séria e profunda, dando-lhe o direito a uma banalidade corrosiva, sem servir de instrumento a apaziguamentos e acomodações. O objetivo desta proposta de fala é passear minimamente por/com essa desorientação, pensar com afeto a poesia de Nicanor, pesar algo do que a crítica continental diz e não diz dessa obra e, assim, buscar desorientar os rótulos à espreita, por uma literatura sul-americana como algo que faz questão de não ter rosto, que quer correr mundo (fazer do mundo uma América Latina, ou borrar esse nome nas placas nos aeroportos) e ser mutante enquanto dure. A partir dessa obra se pronuncia a possibilidade de a crítica hoje ser o ato insistente de perder sua forma, sua orientação, perda de mapas, de rotulações fáceis ou de muletas do cânone, mesmo quando este é justificado como bandeira de luta para um continente cultural supostamente subalterno.
Palavras-chave: NICANOR PARRA, POESIA CONTEMPORÂNEA, LITERATURA LATINO-AMERICANA, CRÍTICA LITERÁRIA
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