Ao observarmos retrospectivamente o século XX e, ainda, os princípios deste século corrente, seja no âmbito da teoria e da crítica literária ou no campo mais abrangente do pensamento filosófico, um fenômeno interessante na história das ideias nos salta à vista: observe-se quantas vezes a palavra humanismo – assim como a chamada crítica literária humanista – já apareceu estampada nos mais diversos obituários... A causa mortis, é claro, foi atestada por muitos pensadores que, além de realizar o diagnóstico, ainda se dispuseram a fazer o trabalho de coveiro, jogando a pretensa última pá de terra sobre uma tradição intelectual antiga e plural que, entre suas principais características, revela uma capacidade virtualmente inesgotável de autorregeneração, de adaptação a novos contextos e circunstâncias, além de um desapego em relação a formulações dogmáticas, a grandes sistematizações autotélicas ou a um corpus doutrinário rígido. Uma das características mais importantes da tradição humanista é o entendimento de que as grandes questões humanas não podem ser bem compreendidas se tratadas como realidades compartimentadas e estanques: os domínios da política, da arte, da religião, da estética ou da ética são respostas humanas diversas a interpelações existenciais diferentes, porém indissociáveis, confluentes e interativas. A partir de tal concepção, a literatura participaria da história de uma forma dialogal, fazendo parte de uma grande e interminável conversação humana a respeito de todos os tipos de situações e problemas vitais, sejam de natureza mais propriamente individual ou de abrangência mais social. As obras de arte literárias, portanto, suscitariam, antes de tudo, um tipo de conhecimento ligado à experiência vital, ao diálogo entre os homens, porque, diferentemente das proposições da lógica ou da ciência, não se propõem simplesmente a apresentar enunciados verdadeiros: elas problematizam certos aspectos difíceis da dimensão valorativa da realidade humana. Tal tipo de abordagem, que foge essencialmente à concepção do crítico como especialista e da literatura como fenômeno autônomo e autotélico, foi duramente combatido por grande parte das tendências teóricas que dominaram os estudos literários do século passado. Pretendo apresentar algumas reflexões relativas justamente a esse conflito, e defender a ideia de que a maioria dos filósofos e teóricos literários que se opuseram ou negaram a validez intelectual da tradição humanista, por motivos diversos, enxergaram-na de forma parcial e, muitas vezes, equivocada. Uma proposta humanista revisada e atualizada, no entanto, supõe uma autocrítica: não é já possível pensar o humanismo enquanto visão essencialista e idealizada; a aceitação da contingência da linguagem, dos valores e das perspectivas críticas é o ponto de partida. Apresentarei na comunicação o pensamento do filósofo italiano Ernesto Grassi como contraponto às tendências anti-humanistas da filosofia contemporânea (a partir de sua resposta ao Heidegger da Carta sobre o humanismo); e, como estudo de caso, discutirei a curiosa trajetória intelectual e crítica do búlgaro Tzvetan Todorov, um dos mais eminentes representantes das correntes formalistas e estruturalistas do século passado, e que hoje é um soi-disant “humanista moralista”.
Palavras-chave: HUMANISMO, CRÍTICA, TEORIA LITERÁRIA, FILOSOFIA