Ao longo da evolução dos estudos literários a crítica literária tornou-se, em determinados momentos, uma verdadeira tribuna, espaço de embates e diatribes. No séc. XIX não faltam exemplos de polêmicas encabeçadas por alguns de nossos mais importantes escritores: Franklin Távora e José de Alencar; Machado de Assis e Eça de Queiroz; Sílvio Romero e José Veríssimo. A verve polêmica chegou ao séc. XX através dos rodapés que definiriam o perfil da crítica praticada nos suplementos e jornais diários – a chamada “crítica de rodapé” – em que atuaram estrelas da grandeza de um Antonio Candido, um Sergio Milliet, um Álvaro Lins. Este último tendo encetado com Afrânio Coutinho o embate que marcaria, como verdadeiro divisor de águas, a migração da crítica dos jornais para os cursos de letras das universidades. Essa mudança de endereço trouxe aquilo que Coutinho de maneira visionária anunciava: uma gradativa profissionalização da crítica, preocupação com o rigor do método e um aparelhamento do crítico com nomenclatura e terminologia especializadas. Entretanto, o fim do século XX e início deste séc. XXI parecem atestar a crise desse modelo. Curto circuito que revela lacunas profundas, perceptíveis não só na ausência de escuta para o discurso crítico que parece bradar solitário no deserto; como também na falência do ensino de uma prática que ainda aspira a um suposto estatuto de ciência. O que se vê cada vez mais é a retomada da discussão que culminou com a “vitória” da crítica acadêmica, assinalando que o nosso próprio tempo precisa repensar o caráter endógeno dessa crítica. Um novo olhar sobre a crítica de rodapé pode desvelar possibilidades capazes de renovar o discurso crítico atual, tais como o diálogo com o mundo social e político; assim como a procura de um diálogo mais amplo propiciado pelas novas tecnologias e pelas redes sociais. É nesse cenário que surge a defesa da polêmica, efetuada por João Cezar de Castro Rocha, como um dos caminhos para a reforma da mentalidade crítica. A polêmica seria o motor de um “sistema emulatório” que garantiria maior alcance ao discurso crítico. Nosso objetivo é refletir sobre o possível papel e importância da polêmica para os nosso dias, marcados por uma caleidoscópica trama de olhares, perspectivas e valores. A questão que procurarei colocar com mais justeza é: na era da multiplicidade é viável o paroxismo a que parece levar toda polêmica, ameaçando justamente o matiz e a complexidade que se estende de um pólo a outro do confronto? Uma possível resposta é pensar a tensa relação do discurso crítico com suas demandas, ou seja, com aquilo que a crítica precisa tornar-se, esforçar-se por tornar-se; e aquilo que a pressiona, condiciona, molda e perfila, ou seja, suas circunstâncias. Da relação dos mais nobres objetivos da crítica enquanto discurso intelectualmente “honesto”; com os afetos e paixões que influem inevitavelmente sobre o olhar e sentimento do crítico, nasce a negociação dos sentidos da crítica. Uma negociação com o outro e consigo mesmo, que tem repercussões éticas profundas.
Palavras-chave: CRÍTICA, POLÊMICA, MULTIPLICIDADE, NEGOCIAÇÃO DE SENTIDO