“A belle époque carioca pode ser considerada quer como o apogeu de tendências específicas de longa duração, quer como fenômeno inédito, assinalando uma fase única da história cultural brasileira”, com esta afirmativa o historiador Jeffrey D. Needell abre o primeiro capítulo do seu clássico Belle Époque Tropical (Cia das Letras, 1993) e é a partir dela que pretendo avaliar o modo como questões complexas desse período, profundamente enraizadas no passado carioca, foram abordadas pela escrita militante de Lima Barreto (1881-1922) cuja obra composta por diferentes gêneros textuais – artigos e crônicas jornalísticas, romances, diários, correspondência ou mesmo experimentações híbridas – se constrói no contexto histórico e urbano dessa chamada “bela época”. O Rio de Janeiro da virada do século XIX para o XX não era apenas a capital administrativa, mas também o efervescente centro cultural do país. Extremamente atento às mudanças por que passava a cidade, Lima Barreto, com seu olhar afiado e desafiador, seja em suas longas caminhadas, no transporte público, no quarto de sua casa no subúrbio, na sua banca de servidor público da Secretaria de Guerra, ou ainda nas dependências do Hospício, onde esteve internado, radiografa os valores e hábitos da intelectualidade laureada, dos agentes literários da Academia e da elite econômica carioca, contrastando-os com comportamentos e desejos das camadas pobres da população e de uma intelectualidade “menor”, periférica, as quais eram silenciadas e excluídas dos benefícios e vantagens da modernidade carioca. O ano de 1898 registrou uma mudança sensível no clima político, com a subida ao poder do presidente paulista Campos Sales cujo governo (1898-1902) trazia as condições para a estabilidade política e para uma vida urbana elegante. A administração de Campos Sales estava apoiada nas classes conservadoras e descortinava novos horizontes no campo da indústria, do comércio e da lavoura, colocando o país e a sua elite à altura dos paradigmas culturais derivados da aristocracia europeia. A Belle Époque carioca está estreitamente identificada com o país que ressurgiu com Campos Sales e prossegue com o presidente Rodrigues Alves (1903-1906), quando o Rio de Janeiro passa por reformas urbanas estruturais e saneadoras projetadas pelo engenheiro e então prefeito da cidade Pereira Passos. A inauguração da Avenida Central em 1905 e a finalização da construção de seus edifícios em 1910 conferem à Capital Federal uma vitrine da Civilização; no entanto, as mazelas do atraso da realidade colonial com as marcas indeléveis do passado escravocrata pulsavam sob o dinamismo moderno da Metrópole, em constante contraponto, que constitui tema central das reflexões empreendidas por Lima Barreto em sua obra sobre a relação entre tradição e modernidade.
Palavras-chave: BELLE ÉPOQUE, LIMA BARRETO, TRADIÇÃO, MODERNIDADE