Inserida em um campo investigativo mais amplo, esta comunicação propõe-se como uma breve sondagem do que consideramos chamar de “anatomia do conceito de pregador” que, no nosso entendimento, tem sua marcação inicial nas preponderantes anotações de Aristóteles, as quais compõem os livros de sua Retórica. A partir de um olhar mais analítico, é possível apreender que o caráter do orador, conforme indica o filósofo helenista, assumiria o papel de mais poderosa prova argumentativa. Alinhado ao páthos e ao logos – elementos centrais do tratado aristotélico e, por conseguinte, da técnica retórica –, o éthos completa uma série fundamental de preceitos que encaminham ao fim do edifício conceitual da retórica: a persuasão. É mediante a modelagem ideal do caráter, portanto, que o orador atingiria – segundo Aristóteles – o seu propósito discursivo. Sem deixar de passar pelas icônicas figuras de Cícero e Quintiliano e suas respectivas contribuições teóricas, que encorparam ainda mais a silhueta desse conceito tão caro ao período medieval e ao pós-tridentino, procuraremos focalizar no exame sistemático do período o qual está inserido o Padre Antônio Vieira, que, como se sabe, foi educado segundo os moldes dos colégios jesuíticos, responsáveis pela reatualização e pela difusão da matriz tomista-aristotélica que concebeu a Península Ibérica o título de território majoritário de atuação da “segunda escolástica”, de acordo com o comentário de Carlo Giacon (1944-1950). Nossa finalidade, portanto, é discutir fontes e fundamentos que sopraram vida na imago do orador seiscentista, que concentra em um mesmo ser o papel de pregador e de hermeneuta, por ser o índice de orientação e de condução da mensagem de Deus, praticamente um dos “mestres da verdade”, como no mundo antigo, para falar com Marcel Détienne. Sob a égide dos clássicos gregos e latinos, que não ficaram de fora do espectro conceitual da formação dos jesuítas, procuraremos demonstrar como Vieira – segundo nossa perspectiva – configurar-se-ia como um verdadeiro “Hermes cristão”, um autêntico pregador sacro formado nas bases clássicas que representa a imagem ideal de um mensageiro para a Igreja contrarreformada. O ponto nevrálgico desta comunicação, contudo, consistiria em demonstrar, na medida do possível, como o inaciano em foco não apenas se reveste do conceito de exegeta da Bíblia, isto é, de comentador das passagens escriturais, mas sim de autorizado hermeneuta, uma vez que reinventa o imaginário cristão – não no sentido romântico-moderno da criação estética –, explorando as próprias Histórias sacra e profana, de modo a elucidar as cadeias de signos que dão forma aos mistérios, ressemantizando e orientando sentidos intransitivos que lastreiem as heterodoxias para reconfigurá-los como signos transitivos que devem obedecer aos mandamentos da hermenêutica canalizada da Igreja católica ortodoxa.