A recorrência aos mitos gregos é uma prática discursiva e artística renovadora. Ao longo dos anos, o mito de Electra – a princesa argiva que, junto ao irmão Orestes, urde o assassinato de sua mãe e padrasto para vingar a morte do seu pai Agamenon, foi retomado por escritores que lhe atribuíram novas forma e pertinência. Autores como Jean Anouilh (1972), Nelson Rodrigues (1947) e Jean-Paul Sartre (1943) dedicaram parte de suas obras à retomada do mito de Electra em diferentes contextos sócio-históricos e, por sua vez, atribuíram-lhe características próprias às práticas discursivas da sociedade às quais estes autores pertenciam. De acordo com Ute Heidmann, “cada enunciação de um mito grego, antigo ou moderno, traz indícios mais ou menos explícitos do que podemos definir como uma re-enunciação de uma história que ainda é uma ‘velha história’” (2010, p.2). Assim, nosso trabalho parte da compreensão de que textos escritos em línguas e épocas distintas tornam-se fundamentalmente distintos, pois inscrevem as antigas narrativas helênicas em contextos discursivos próprios às culturas de seus enunciadores, tornando-se, portanto, (re)escrituras desses mitos gregos. Dessa forma, tal como propõe Heidmann (2009, 2010), consideramos pertinente a realização de uma análise das diferenças presentes em cada re-escritura dos mitos gregos, pois defendemos que essas re-escrituras não reproduzem única e simplesmente o sentido “universal” do mito clássico, mas modificam as cenas de fala e as cenas genéricas presentes nas antigas narrativas helênicas e assim, criam novos efeitos de sentido. Essas diferenças estão presentes não apenas no texto, mais também em elementos de seu co-texto. Assim, elementos como dedicatórias, posfácios, entre outros funcionam como indicadores importantes do discurso construído pelo autor em sua obra. Nesse sentido, conceitos pertencentes à Análise Textual do Discurso, suplantada por Dominique Maingueneau (2006) e Jean-Michel Adam (2005; 2010; 2011) tornam-se fundamentais para a realização do nosso trabalho. Diante do exposto, nossa pesquisa se constitui como uma Análise comparativo-diferencial e discursiva do mito de Electra e suas re-escrituras modernas. Nesta exposição, deteremo-nos em duas retomadas do mito: a primeira, na peça Les Mouches, de Sartre (1943) e a segunda, no filme Electra, my love de Miklós Jancsó (1974). Pretendemos através de conceitos próprios à Análise do Discurso demonstrar como cada autor se vale de seus próprios paradigmas sociais e culturais para reconstruir uma narrativa que adquire aspectos particulares à sociedade da qual emergiu. Nesse sentido, propomos que essas re-escrituras sejam compreendidas não como repetição, mas como resposta às narrativas helênicas, no sentido em que estabelecem uma relação não hierárquica entre os textos analisados.