A prosa ficcional do cearense Ronaldo Correia de Brito, seja nos contos de Faca (2003) e Livro dos Homens (2005), seja no romance Galileia (2009), explora os tensos diálogos entre a ambientação sertaneja e a esfera urbana, entre tradição e modernidade, entre localismo e cosmopolitismo, a partir de situações fronteiriças e de personagens em trânsito. Nesse sentido, uma das grandes questões da prosa de Brito tem sido insistir na representação do sertão como um lugar de passagem, atravessado por deslocamentos e abandonos, incapaz de agarrar o homem a terra. Nesse contexto, observa-se não apenas a reestruturação de uma ordem econômica de produção, mas sobretudo um traço mais crônico, sinal de que os tempos irremediavelmente mudaram, acentuando a mobilidade e suas implicações para a formação das identidades culturais. É desses atravessamentos e hibridizações que trata a ficção de Ronaldo Correia de Brito. O conceito de lugar identitário, relacional e antropológico, postulado por Marc Augé, pode ser associado ao sertão da prosa regionalista de 30, ao qual os personagens de Vidas Secas, por exemplo, mesmo acossados pela seca e pela miséria, desejavam estar plantados, criando raízes e agarrando-se a terra. O deslocamento compulsório em direção à cidade grande era antes de tudo uma estratégia de sobrevivência, não um desejo de errância. O sertão da Galileia de Brito não é relacional, é lugar de passagem e de fluxos. Um lugar em que, como diz o personagem Adonias, estão todos sempre de passagem ou de saída. Perceber o sertão como um “não-lugar”, na acepção de Augé, fratura o discurso localista da tradição regionalista brasileira, embaralha e tensiona as fronteiras entre campo e cidade, configurando um palco de tensões entre a herança rural e o futuro apocalíptico das cidades (Schøllhammer, 2011).