Anais
RESUMO DE ARTIGO - XV ENCONTRO ABRALIC
FUTEBOL E SOCIEDADE: RELATOS PÓS-NACIONAIS NO CINEMA ARGENTINO E EM CONTOS DE EDUARDO SACHERI
VITOR LOURENÇO RODRIGUEZ SALGADO
Segundo Jacques Le Goff e Pierre Nora, o filme é História. Josefina Ludmer nos lembra que, assim como a literatura, o cinema faz parte da imaginação pública. Durante muito tempo, a historiografia privilegiou em seus âmbitos metodológicos a forma escrita, considerando que a imagem cinematográfica não teria representatividade como documento ou valor como objeto para fins da construção de uma análise do passado. Associado muitas vezes à produção dos grandes relatos nacionalistas do século XX, o cinema, também identificado à ideia de “fábrica de sonhos”, teria guardado em si a função de mitigar os grandes problemas da realidade para as massas, diz Jean-Luc Godard; assim como exerceria uma tarefa didática ligada à transmissão de valores e costumes que, posteriormente, se incorporariam ao imaginário dos povos, como afirma Jesus Martín-Barbero. Na contemporaneidade, o cinema surge como um destes novos objetos que possibilitam o desenvolvimento de outras formas de narrar o mundo, permitindo revelar sujeitos, espaços e, do mesmo modo, manifestar culturas. O filme, insistem Le Goff e Nora, passa a ser observado não necessariamente como uma obra de arte, estudado em sua totalidade com uma origem e um fim em si mesmo, mas como um produto com referências externas, articuladas à sociedade da qual fala, na qual se insere e com a qual dialoga a todo momento. Nesse sentido, valendo-nos também da abordagem de Paul Zumthor, pensamos que o cinema, e da mesma forma a literatura, atua como um dos meios através do qual a cultura se expressa e a sociedade se representa. Isso permite compreender não somente a obra em particular – o filme, o romance, o conto –, mas sobretudo o corpo social. Dessa maneira, a partir de duas produções cinematográficas argentinas deste século vinculadas à temática do futebol, El secreto de sus ojos, de Juan José Campanella, e El camino de San Diego, de Carlos Sorín, este trabalho pretende problematizar a crise do relato identitário nacional, observando a emergência de sujeitos e grupos no âmbito do microterritório do bairro, tal como aparece também nos contos de futebol de Eduardo Sacheri, “Esperándolo a Tito” e “El golpe del Hormiga”. A ponte entre esses objetos permite elucidar um panorama de identidades fragmentadas que se interpõem no cinema e na literatura, demonstrando novas formas de organização coletiva, construção de pertença através de traços marcantes das torcidas de futebol e estruturação/reestruturação de círculos sociais baseados em práticas articuladas ao vínculo com um determinado clube. Imagem e escrita compõem, assim, representações que permitem entender como esses sujeitos, ao compartilharem os ritos do futebol como uma de suas chaves identitárias, são figurados por um diretor ou escritor; e, numa medida semelhante, torna-se também possível a observação do modo como esses sujeitos representados imaginam a si mesmos em consonância com o que Arjun Appadurai chamará de “comunidade de sentimento”: imaginação como elemento constitutivo da subjetividade e como fato social.
Palavras-chave: FUTEBOL, CINEMA, EDUARDO SACHERI, PÓS-NACIONALISMO
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