Anais
RESUMO DE ARTIGO - XV ENCONTRO ABRALIC
FRAGMENTOS IDENTITÁRIOS E FRONTEIRAS MINADAS EM “O PRIMEIRO HOMEM”, DE ALBERT CAMUS
LEONARDO AUGUSTO BORA
Romance inacabado (encontrado entre as ferragens do automóvel que ceifou a vida do escritor) e marcado pelos traços autobiográficos, “O Primeiro Homem”, de Albert Camus, é um desafio interpretativo aos leitores do escritor franco-argelino. A despeito das ponderações de Edward Said, em “Cultura e Imperialismo”, sobre a ausência de consciência pós-colonial no também autor de “A Peste”, “A Queda” e “O Estrangeiro” (considerado um “orientalista”, exemplo de colonizado que possuía o colonizador introjetado em si – e que teria materializado o seu conjunto de crenças no personagem-síntese Meursault), é fato que nas páginas de “O Primeiro Homem” são notáveis os questionamentos acerca da condição periférica da Argélia (em relação à dominação francesa), bem como das inúmeras questões identitárias (fronteiriças, multiculturais, transterritoriais, híbridas) derivadas de um quadro de seculares exclusões e entrechoques – e não à toa a memória das guerras e as ameaças terroristas permeiam toda a narrativa, culminando na cena em que uma explosão sacode o centro de Argel e desencadeia uma revolta contra os “árabes”, prontamente acusados de serem os responsáveis pela bomba (a criminalização primária, motivada por preconceitos étnico-religiosos, que ainda se vê no século XXI). Em meio ao clima de agitação social, o protagonista da obra, Jacques Cormery, vaga por uma cidade mutilada, empobrecida, em busca de fragmentos identitários que possam explicar a sua condição desfigurada – a ausência de figura paterna, por exemplo, é um dos centros reflexivos do texto (e mais do que significativa é a ideia de que a ausência paterna não era apenas uma dor individual, mas coletiva – a Argélia enviava seus homens para que “morressem pela pátria”, a França, o que rende trechos narrativos de grande densidade). O trabalho pretende problematizar tais apontamentos, redirecionando as luzes de autores como Stuart Hall, Benedict Anderson, Leela Gandhi, Homi Bhabha, Gayatri Spivak e Jean-Marc Moura, além do já mencionado Edward Said, para a multifacetada obra camusiana. Também serão ensaiados possíveis diálogos intertextuais, especialmente com “Terra Sonâmbula”, do autor moçambicano Mia Couto – este assumidamente um escritor pós-colonial, que se utiliza de estratégias descoloniais (como a “abertura dos arquivos”, na terminologia de Leela Gandhi) para desenhar um lugar também mutilado e desfigurado, denunciando a exclusão acarretada pelo jugo português e a impossibilidade de se falar em uma identidade fixa, una, em meio a um território desagregado, uma “estrada que não se entrecruza com outra nenhuma”. Do diálogo entre tão diferentes autores podem brotar novos e importantes questionamentos sobre conceitos como “pátria”, “fronteira”, “multiculturalismo” e “identidade”, quanto mais no que tange à reconfiguração dos mapas africanos e aos movimentos diaspóricos e nacionalistas.
Palavras-chave: FRAGMENTOS, IDENTIDADES, FRONTEIRAS, PÓS-COLONIALISMO
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