As três citações seguintes são as diretrizes essências da reflexão que aqui se pretende fazer: “O historicismo contenta-se em estabelecer um nexo causal entre vários momentos da história. Mas nenhum fato, meramente por ser causa, é só por isso um fato histórico. Ele se transforma em fato histórico postumamente, graças a acontecimentos que podem estar dele separados por milênios” (BENJAMIN, 2012); “E quer saber? NINGUÉM É INOCENTE EM SÃO PAULO. Somos culpados. Culpados. Culpados também. (FERRÉZ, 2006.); “a inocência desta gente é tal que a de Adão não seria maior” (CAMINHA, 2015). Em “Sobre o conceito de história”, Walter Benjamin elenca dezoito teses sobre a história que colocam em relevo a ideia de construção do passado a partir do olhar do presente. Tal perspectiva se opõe à visão historicista que pensa a história a partir de uma sucessão de fatos que demonstram a caminhada da humanidade rumo ao progresso. Divergindo desta concepção, Benjamin demonstra a necessidade de se pensar um conceito de história que corresponda ao ensinamento vindo da tradição do oprimido, a qual “nos ensina que o ‘estado de exceção’ em que vivemos é a regra” (BENJAMIN, 2012). O papel do cronista do passado, portanto, seria revirar os escombros, acordar os mortos e elencar os fragmentos que, a partir do olhar do presente, se articulam como rede que dá continuidade à catástrofe: é a partir do presente que um evento do passado se torna um fato histórico, é papel do investigador do passado estabelecer essa relação. É a partir desta ótica que se faz possível a aproximação das duas outras citações. A negação da inocência feita por Ferréz, autor do cenário literário contemporâneo denominado Literatura Marginal, permite perceber como fato histórico a afirmação da inocência a partir de Caminha, na Carta que escreve ao rei de Portugal para dar conta do achamento do Brasil. Assim, ativando a afirmação da inocência feita por Caminha como um fato histórico, ativa-se, também, uma perspectiva de leitura da cultura brasileira pela figuração da inocência. A negação da inocência, então, permite vislumbrar uma mudança paradigmática na representação identitária na literatura contemporânea: a negação do paradigma da inocência ancorado no plano inaugural da construção identitária do Brasil que é a Carta de Caminha. A hipótese que pretendemos desenvolver neste trabalho, portanto, é de que a figuração da inocência pode ser vista como um operador fecundo para se pensar a cultura e a identidade brasileira. Para tanto, faremos o movimento de leitura do passado formulado por Benjamin, partiremos do presente, o qual aponta que “NINGUÉM É INOCENTE” (FERRÉZ, 2006), para refletir desde quando somos inocentes e a quem interessa nossa inocência. Para isso, faremos uma leitura do conto “O plano”, de Ferréz, no qual encontra-se a negação da inocência até agora mencionada, e da Carta de Caminha, articulada ao sistema literário (Antonio Candido) ao qual pertence, o Romantismo, para apontar em que medida ela é tornada o texto inaugural da construção de uma identidade brasileira que fez fortuna no imaginário cultural do país.
Palavras-chave: IDENTIDADE, INOCÊNCIA, LITERATURA BRASILEIRA