O presente trabalho pretende refletir sobre os processos de subjetivação e de dessubjetivação pelos quais passam jovens moradores de rua e a relação desses com a questão da territorialidade, com base em depoimentos e relatos colhidos durante pesquisa realizada entre abril e maio de 2016 junto à população atendida pelo Projeto “Passaporte da Cidadania”. Esse Projeto se propõe a atender crianças e jovens em “situação de rua”, no Rio de Janeiro, a partir de um ônibus itinerante, com a finalidade última de oferecer uma alternativa às ruas, valendo-se de uma rede integrada de serviços de apoio. A citada pesquisa foi motivada por um sentimento de urgência em registrar a memória e a voz de uma população marginalizada, relegada à condição de invisíveis e negligenciáveis, quase impedidos de existir, sempre no limiar do desaparecimento. Os relatos e depoimentos serão confrontados com questões teóricas pertinentes para se pensar identidade e território, a partir dos estudos culturais e do pensamento pós-colonial. É nossa intenção pensar ainda como esses indivíduos, submetidos a uma vida tão precária, impossibilitados de carregar consigo uma folha de papel sequer, poderiam assumir o lugar de protagonismo no relato de suas próprias histórias e se fazer ouvir, a exemplo do que aconteceu com os moradores das chamadas periferias, com a emergência da Literatura Marginal, no final dos anos 1990. Embora as realidades das comunidades da periferia e da população de rua tenham múltiplas interseções, elas se afastam no que que diz respeito à falta de um referencial geográfico e a inexistência de um território delimitado no qual esta última estaria inserida. Para os moradores de rua não há um endereço fixo ou um número de telefone, na maioria das vezes, nem mesmo um documento de identificação. Se os autores da chamada Literatura Marginal falam a partir de um território delimitado que lhes concede uma identidade, a população de rua, objeto do presente trabalho, fala a partir de uma territorialidade difusa, ilimitada geograficamente. Seu endereço: Rio de Janeiro, sem nome de rua ou número de casa, afinal habitam todas as ruas da cidade. A noção de tempo também é esgarçada com a iminência da morte que chega a todo momento. Cada dia uma nova batalha, um recomeço sem tréguas. O futuro aterra e o passado soterra. O rigidez do formato “livro” parece inadequada para representar essa realidade. Pretende-se assim mostrar o “distúrbio da vida”, através do “distúrbio da letra”, buscando um trabalho que desestabilize a noção edificada da sociedade, sob o olhar atento e vigilante dessa periferia, central para entender o centro.
Palavras-chave: TERRITÓRIO, POPULAÇÃO DE RUA, IDENTIDADE, ESTUDOS CULTURAIS