A proposta deste trabalho é analisar, mediante o uso de um modelo comparatista, a possível correspondência entre dois fenômenos musicais cuja emergência apresenta coincidências em relação aos aspectos sócio-culturais e às dimensiones temporais e territoriais. Com uma atenção especial às condições de produção, as quais quando variam operam também variações nos discursos, a pesquisa pretende ler o funk proibido carioca e a cumbia villera de Buenos Aires como máquinas de expressão dos subalternos, a fim de determinar de que modo os discursos produzidos no contexto das periferias atuam como dispositivos expressivos nas lutas pela representação travadas desde a marginação, a exclusão e a periferia. O estudo aqui proposto parte da compreensão da cultura como um campo de disputa entre distintas forças sociais. Estabelecemos, como recorte teórico, correlações entre algumas questões centrais dos estudos subalternos e o papel das representações postas em circulação nas letras desses dois subgêneros musicais para a construção de uma identidade grupal e/ou comunitária. Pensando que toda sociedade se constitui como resultado da imbricação de uma rede de práticas e interações entre grupos e atores sociais que definem os âmbitos cotidianos, propusemos com este trabalho uma aproximação à problemática identitária dos jovens habitantes dos "assentamentos irregulares" (favelas de Rio de Janeiro e villas miseria de Buenos Aires) através das letras do funk proibido carioca, expressão cultural também conhecida como “proibidão”, e das letras da cumbia villera. A partir da leitura de algumas letras de cada um desses subgêneros, buscaremos entender a experiência de um grupo social com base na relação que seus integrantes estabelecem com toda una série de práticas vinculadas ao mundo musical. Há questões geralmente preteridas que nos parecem fundamentais, como as condições objetivas de produção e circulação. Considerando o papel decisivo que o contexto possui, fica mais fácil entender como os MCs e artistas da cumbia villera criam suas letras e o lugar em que se movem estes atores. Contexto aqui faz referência ao conjunto de fatores ou circunstâncias que têm a ver diretamente com a produção destes subgêneros. E é isto que nos permite entender o fato a partir de suas condições de gestação. Apesar do vínculo entre a violência criminal e a incidência do delito nas letras dos dois subgêneros, é visível a diferença entre a cumbia vilera e o funk carioca, tal como este se apresentou após o ano 2000. Trata-se de experiências muito distintas no que se refere à forma de produção e inserção no mercado fonográfico, embora falem para públicos semelhantes e sejam ambas músicas de massas oriundas das periferias. Levando isso em consideração, buscaremos ler a realidade cultural dos espaços segregados das cidades do Rio de Janeiro e Buenos Aires através de fragmentos dispersos do repertório dessas dicções particulares das margens da cidade, seguindo a orientação de Roberto Damatta (1994), que destaca a possibilidade de ler o mundo social através das representações imaginárias massivas.