Esta comunicação reúne as primeiras constatações de um projeto de pós-doutorado sobre as representações da nação e da memória histórica na literatura latino-americana contemporânea. O corpus é inicialmente composto pelos romances El testigo (2004), do mexicano Juan Villoro, El material humano (2009), do guatemalteco Rodrigo Rey Rosa, e La forma de las ruinas (2015), do colombiano Juan Gabriel Vásquez. A pesquisa busca verificar de que maneira as novas concepções de cultura nacional, identidade nacional e literatura nacional – vistas não mais como entidades coesas e atreladas às ideias de território e Estado-nação – aparecem nas três obras, marcadas pela desconstrução do imaginário nacional e o questionamento da memória histórica dos países de origem dos autores. Dialogando com o trabalho de Josefina Ludmer (“Tonos antinacionales en América Latina”, de 2010), identificamos nesses romances um gesto de profanação, no sentido dado por Giorgio Agamben em seu livro Profanações (2007), ou seja, o de restituir alguma coisa ao uso comum dos homens, retirando da esfera religiosa e sacra em que se achava confinada. Apropriando-nos desta definição, podemos entender a profanação da nação como a tentativa de refundá-la sob um paradigma democratizante – ou, como diz Hugo Achugar (2006, p.160), de instaurar uma “memória democrática”, em que caibam não apenas os presidentes, os generais, os latifundiários, mas todos os setores da sociedade. Se a memória histórica, como afirma Abril Trigo (2003, p.88), é “un montaje narrativo, literario y pedagógico, que exorciza lo diferente, aquello que transgrede la norma o desvía de la eterna repetición de lo mismo”, a profanação funciona como um “contradispositivo” que permite aos escritores mostrar a memória nacional como uma construção permanente, um constante embate de memórias, em contraste com as visões monolíticas cristalizadas pela história hegemônica e os meios de comunicação de massa. As três obras estudadas investigam episódios esquecidos ou escassamente lembrados, detectando, num presente tempestuoso, a permanência e o agravamento das fraturas do passado. Assim como seus autores, que vivem (Villoro) ou viveram longo tempo fora da América Latina (Vásquez e Rey Rosa), os protagonistas mantêm um distanciamento do país que tematizam. Sua presença é parcial, provisória, incerta. E, mesmo sem a cólera das narrativas analisadas por Ludmer, a profanação está sempre presente. Um aspecto-chave é a irreverência frente ao panteão da cultura e da história. Miguel Ángel Asturias é descrito como racista, defensor de um projeto absurdo de importação de sangue europeu (REY ROSA, 2009, p.75). Jorge Eliécer Gaitán e Ramón López Velarde aparecem, por sua vez, como magmas de memórias conflitantes, apropriados por segmentos antagônicos. Atuando como mediadores, os protagonistas das três obras expõem ambiguidades e optam por dessacralizar essas figuras. Realçando tal multiplicidade, os três romances reformulam a ideia de nação e a aproximam da definição de Hugo Achugar (2006, p.156), a de “um cenário-processo onde múltiplos sujeitos sociais representam sua leitura”.
Palavras-chave: LITERATURA LATINO-AMERICANA, LITERATURA E NAÇÃO, LITERATURA E MEMÓRIA, PROFANAÇÃO