No romance La cognizione del dolore (1938-1941) de Carlo Emilio Gadda (1893-1973), dois sistemas culturais e linguísticos parecem coexistir: um contexto regional italiano, a Brianza, e outro estrangeiro, latino-americano. Os fatos narrados se passam em um estado imaginário da América do Sul, que no romance assume formas e nomes de fantasia, por trás das quais podem ser lidas, no entanto, memórias e impressões de uma estadia na Argentina realizada pelo escritor engenheiro na década de 1920. Os efeitos que o texto provoca a partir desse ponto de vista estranho são consideráveis. Gadda subverte a perspectiva recorrente na literatura de viagem e de migração: “ao invés de falar da sua experiência e da própria cultura de um ponto de vista esterno, projeta externamente a matéria da narração e coloca o ponto de vista do narrador em seu lugar de origem” (DI RUZZA). Ademais, o contínuo emprego de uma língua, cujo nome é imaginário (o Maradagalese, a língua falada no Maradagàl, na verdade o Castelhano), parece responder a uma vontade deformante e, por consequência, paródica. Esse idioma funciona no texto como uma língua inexistente, continuamente “traduzida”, objeto de inúmeras glosas linguísticas colocadas em notas de rodapé ou comentadas pelo narrador heterodiegético. Em conclusão, La cognizione del dolore parece fornecer um aspecto ficcional que problematiza a existência de uma articulação linear e contínua entre literatura, língua e território (BOURRIAUD).
Palavras-chave: LA COGNIZIONE DEL DOLORE, DESLOCAMENTOS, CARLO EMILIO GADDA, HIBRIDAÇÕES CULTURAIS