A questão da refração da tradição gótica inglesa na literatura russa é ainda pouco estudada. É um problema de correspondência entre as duas culturas, de adaptação de algumas ideias inglesas no panorama eslavo. Sem dúvida, pode-se observar a vasta influência do “romance de terror e mistérios” na formação da poética do sentimentalismo e pré-romantismo russos, os movimentos literários que atingiram o seu florescimento no início dos anos 1800-1810. Esse período coincidiu, na história da cultura russa, com o auge do interesse pelos autores góticos ingleses, tais como Ann Radcliffe, William Beckford, Sophia Lee, Clara Reeve. Porém, no início do século XIX, os textos dos autores britânicos na Rússia chegaram a ser conhecidos indiretamente. Os russos liam os romances nas traduções, adaptações, imitações e até plágios franceses e alemães. As primeiras traduções diretas do inglês foram feitas quase no final do século XIX. Nelas, muitas alterações foram feitas; episódios inteiros foram retrabalhados artisticamente para adaptá-los às predileções da sociedade russa. Alguns trechos eram alterados e certos diálogos, removidos. Mesmo assim, a popularidade do gótico, e especialmente de Radcliffe, naquela época, era tão forte que os editores indicaram o nome da escritora fraudulentamente nos textos de outros autores, a fim de impulsionar as vendas. Os romances góticos adornaram tanto as bibliotecas da capital da Rússia, São Petersburgo, quanto as bibliotecas provincianas. Aleksandr Púchkin, poeta russo do século XIX, imortalizou a imagem do personagem gótico Melmoth, do romance de C. Maturin, no seu famoso romance em verso Evguiéni Oniéguin. Os traços da tradição gótica inglesa podem ser observados nos textos de quase todos os escritores renomados russos: Púchkin, Dostoiévski, Tchékhov e muitos outros. Mas, provavelmente, ninguém conseguiu capturar a poética do romance gótico com tanta força como Nikolai Gógol. Isso está relacionado, antes de tudo, ao catastrofismo da consciência do autor, e também à sua visão específica do mundo que unia a comicidade profunda com o horror e o caráter trágico da existência humana. Para esta comunicação, propõe-se analisar algumas feições da tradição gótica na literatura russa, usando, como exemplo, os contos gogolianos A Terrível Vingança (1831) e O Retrato (1835). É possível observar como são transformados os elementos-chave da novela gótica (e especilamente do seu ramo “frenético”, negro) nos textos do esritor russo, tais como o cronotopo de castelo, os temas do mistério, da maldição familiar e da vingança; como são descritos o vilão, a heroína e o protagonista góticos no conto ucraniano e no conto petersburguês de Gógol.
Palavras-chave: GÓTICO, LITERATURA RUSSA, NIKOLAI GÓGOL, SÉCULO XIX