Anais
RESUMO DE ARTIGO - XV ENCONTRO ABRALIC
DESVIOS SOMBRIOS: O GÓTICO-NATURALISMO EM "BOM-CRIOULO", DE ADOLFO CAMINHA
MARINA FARIA SENA
A influência do Gótico na literatura brasileira tem sido estudada por diversos pesquisadores contemporâneos, que demonstram que os influxos góticos estão muito mais presentes em nossa literatura do que os livros de história e crítica literária documentaram. Mesmo o Naturalismo não escapou de sua área de influência: narrativas de autores canônicos dessa estética dialogam com as convenções góticas, dentre elas a principal obra de Adolfo Caminha, "Bom-Crioulo" (1895). Entretanto, a afirmação de que o Gótico influenciou a literatura brasileira de cunho realista soa, em um primeiro momento, como um paradoxo. O aparente contrassenso justifica-se quando se limita a literatura gótica a suas formas e fórmulas setecentistas, com seus espaços narrativos medievos e sua exploração contumaz de eventos de cunho sobrenatural. Para se entender o que chamamos de influência gótica na literatura brasileira e, neste caso específico, no Naturalismo, é preciso pensar o Gótico como uma tradição literária que tem persistido nos últimos 250 anos. Tal tradição seria a confluência entre uma linguagem artística altamente estetizada, convencional e repleta de simbolismos, e uma perspectiva desencantada com a sociedade moderna. A esta perspectiva chamamos “visão de mundo gótica”, que se caracterizaria: por não se revelar entusiasta do progresso científico e do futuro; por não acreditar na suposta bondade natural do ser humano, tampouco na redenção divina; por não ter como pressuposto estético os padrões de beleza, harmonia e perfeição – por apresentar, em suma, uma compreensão sombria, negativa e desacreditada da realidade. Tal visão de mundo era comum não só aos escritores naturalistas da época, mas a escritores finisseculares como um todo. Consideramos, para os fins deste trabalho, que a construção ficcional do romance "Bom-Crioulo" está relacionada à visão de mundo gótica, escolhida pelo autor para alcançar determinados efeitos estéticos de recepção como, por exemplo, o medo. A narrativa, que foi frequentemente chamada de “sombria”, inclui aspectos típicos do Gótico, como: a caracterização de personagens como monstruosidades, por conta da própria natureza humana ou de psicopatologias; o aprofundamento na psicologia das personagens, sobretudo no que concerne a questões relacionadas à sexualidade; espaços narrativos que são descritos como loci horribiles; a relação fantasmagórica com o passado, que ressurge para assombrar o presente, a utilização contínua de campos semânticos relacionados à morte, à morbidez e à degeneração física e mental; a produção do medo como efeito estético de recepção, apenas para citar alguns elementos. O objetivo da presente comunicação é analisar aspectos narrativos do romance – como enredo, personagem e locus. Buscaremos demonstrar que tais aspectos, em conjunto com o discurso estetizado e pretensamente científico do autor, são característicos de uma nova poética surgida na virada do século, em uma confluência entre os preceitos defendidos por Émile Zola e a visão de mundo gótica: o Gótico-Naturalismo.
Palavras-chave: GÓTICO, NATURALISMO, ADOLFO CAMINHA
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