O gênero gótico na literatura tem início em 1764, com a publicação do romance O CASTELO DE OTRANTO, por Horace Walpole, que se passa na Itália mediterrânea e ensolarada, bem distante e diferente das brumas do norte da Europa com que o Gótico é identificado no imaginário cultural. Há, decerto, textos da literatura gótica ambientados em paisagens frias, como FRANKENSTEIN (1818) de Mary Shelley, que se passa na Europa central, e DRACULA (1897) de Bram Stoker, que tem por cenário a Transilvânia e a Inglaterra com seu fog. Contudo, além do romance pioneiro de Walpole, textos como THE MONK (1796), de Matthew Lewis, que se passa na Espanha, e THE ITALIAN (1797), de Ann Radcliffe, também passado na Itália, apontam que a literatura gótica, desde o seu início, apresenta um cenário que transcende as fronteiras endógenas das ilhas britânicas. O mundo mediterrâneo, em tais romances, assim como a Transilvânia de Drácula, remete a um espaço marcado por estruturas mais arcaicas face à modernização e ao “progresso” do norte europeu. Partindo do conceito de alegoria formulado por Walter Benjamin, em sua tese sobre o drama barroco alemão, e do conceito de fantasma na cultura ocidental estudado por Giorgio Agamben, propomos pensar em uma categoria do gênero Gótico exógena ao seu cenário europeu de origem: o Gótico brasileiro, que, em comum com o Gótico do sul dos Estados Unidos, o Southern Gothic, além de apresentar um cenário ambientado no novo mundo e de clima ensolarado, apresenta também uma cenografia textual marcada pelo passado latifundiário e escravocrata que, no século XX, avulta como ruína e espaço tenebroso. Neste contexto, inscrevem-se obras de alguns autores da literatura nacional, como Cornélio Penna e Lúcio Cardoso, romancistas que surgiram nos anos de 1930 e situaram-se em uma corrente antípoda ao regionalismo social dos autores nordestinos como José Américo de Almeida e Rachel de Queiroz, denominada nos livros de história da literatura brasileira pelas rubricas “romance psicológico” e “romance católico”. Em narrativas como A MENINA MORTA, de Penna, publicado em 1954, e CRÔNICA DA CASA ASSASSINADA, de Lúcio, de 1959, encontramos o traço gótico do passado que assombra o presente, em cenários brasileiros da época colonial e imperial fantasmaticamente representados enquanto ruína alegórica do Brasil patriarcal pré-republicano e pré-moderno, nos quais os personagens, alguns com traços vampirescos, também demonstram ressonâncias dos tipos frequentes dos romances góticos, como o aristocrata malévolo e a donzela perseguida. Assim, muito mais do que destacar uma literatura gótica produzida no Brasil por autores como Álvares de Azevedo e Cruz e Sousa, que não apresentam a cor local em seus textos “góticos”, procuramos textos literários nos quais aspectos do Gótico perpassem elementos que compõem a história e a cultura das terras brasileiras.
Palavras-chave: ROMANCE GÓTICO, LITERATURA BRASILEIRA, ALEGORIA, FANTASMA