Anais
RESUMO DE ARTIGO - XV ENCONTRO ABRALIC
O ADVENTO DOS ESTUDOS (AUTO)BIOGRÁFICOS: ENTRE A ASCENSÃO DO PRIVADO E A IDENTIDADE DO AUTOR
PAULIANE AMARAL
Se considerarmos que toda ficção literária tem origem na observação e criação de um homem que utiliza uma linguagem específica – a escrita – para falar de seu tempo e, consequentemente, de si, entenderemos que todo empreendimento literário traz em seu bojo uma experiência individual. No entanto, a reflexão sobre esse processo de apreensão e transformação da experiência individual através da literatura ganhou novo impulso após a segunda grande guerra, quando houve uma popularização dos testemunhos dos sobreviventes do holocausto, como monstra Beatriz Sarlo no livro Tempo passado (2007). A emergência dos relatos, acrescida da valorização do espaço privado, que acompanhou o nascimento do romance e da própria modernidade da literatura, proporcionaram condições ideais para a criação de narrativas que refletem sobre as fronteiras entre o ficcional e o biográfico. Na literatura brasileira contemporânea são diversos os exemplos de livros que jogam com o que Philippe Lejeune chamou de “pacto autobiográfico”, a exemplo dos romances O filho eterno (2007), de Cristovão Tezza; Chá das cinco com o vampiro, de Miguel Sanches Neto (2010) e Divórcio (2013), de Ricardo Lísias. No contexto da historiografia literária, é inegável que essa ascensão da ficção autobiográfica se beneficiou dos estudos historiográficos impulsionados a partir dos trabalhos desenvolvidos pelos pensadores da École des Annales, que possibilitaram uma revisão do próprio estatuto do discurso histórico, como o questionamento das metanarrativas históricas, problematizadas em pormenor por Hayden White em sua Meta-história (1973). Optamos pela nomenclatura (auto)biografia por entendemos, juntamente com Pierre Bourdieu, que a biografia e a autobiografia são indiscerníveis quanto aos seus procedimentos narrativos. Em um quadro geral, hoje o que vemos é o desmembramento da ficção autobiográfica em outras subcategorias – como a autoficção, que, no Brasil, recebeu a atenção de Diane Klinger em Escritas de si, escritas do outro: o retorno do autor e a virada etnográfica (2007) – que tentam acompanhar o jogo performático dos autores contemporâneos, que emulam uma aproximação entre a imagem do autor-pessoa e a do autor-criador. O que nos cabe questionar nesse ponto de inflação e, poderíamos dizer, de saturação da ficção autobiográfica é a pertinência da criação de novas nomenclaturas para classificar as variantes do (auto)biográfico na literatura contemporânea. Para isso, refazemos o percurso de críticos como Philippe Lejeune, que tenta delimitar o espaço da biografia, da autobiografia e da ficção autobiográfica a partir de um pacto implícito entre autor e leitor; Pierre Bourdieu, para quem a identidade é construída a partir de uma série de práticas sociais instituídas, a começar pelo nome próprio; Paul de Man, que critica Lejeune por dar ao leitor uma autoridade transcendental que lhe permite julgar o autor enquanto “sujeito” contratual; e Georges Gusdorf, que entende a autobiografia como um fenômeno especialmente Ocidental, nascido tardiamente do encontro entre o universo cristão e a tradição clássica. A leitura de tais teóricos mostra que as reflexões acerca da ficção autobiográfica abarcam, inevitavelmente, a definição do espaço público e privado, assim como as reflexões que tentam desvendar os processos que definem a identidade de um autor.
Palavras-chave: AUTORIA, FICÇÃO AUTOBIOGRÁFICA, HISTORIOGRAFIA LITERÁRIA, IDENTIDADE
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