Mais de um século e meio antes do notório discurso proferido por Hans Robert Jauss na Universidade de Constança, no ano de 1967, intitulado “História da literatura como provocação à ciência literária”, no qual o estudioso busca desconstruir as bases de uma visão linear e teleológica da história da literatura, a maneira como os irmãos Friedrich e August Wilhelm Schlegel compreendiam as épocas da literatura já chamava a atenção para algo que se situava igualmente à margem da compreensão histórica tradicional. Contemporâneos do Zeitgeist em que a história da literatura não apenas começava a se constituir enquanto disciplina, mas se tornava uma das mais importantes áreas do conhecimento científico, os estudos dos irmãos Schlegel indicam que a problemática inserida por Jauss já se encontrava, ainda que em germe, na discussão sobre a poesia dos antigos e dos modernos, na resolução da famosa Querelle des anciens et des modernes, e na concepção dialética dos sistemas circular e progressivo de compreensão da literatura. Ao postular que a poesia dos antigos havia alcançado o mais perfeito e acabado modelo de harmonia e beleza, Johann Joachim Winckelmann negava aos modernos qualquer chance que não fosse a mera imitação dos antigos. Instigado por esse paradoxo, Friedrich Schlegel afirma que, se os antigos foram perfeitos em sua representação objetiva da bela natureza, os modernos poderiam buscar o mesmo princípio através da representação indireta do histórico e do subjetivo propiciada pela ironia romântica. Assim como Hans Robert Jauss percebera que a relação entre a literatura e o leitor tinha implicações históricas e estéticas cuja extensão definiria inclusive o próprio significado da obra no tempo, Friedrich Schlegel demonstra que o sistema da literatura dos modernos revela-se como uma “progressividade em picos”, os quais poderíamos compreender como a própria alternância entre uma e outra geração de leitores. Esse fato demonstra que o caráter polêmico dos estudos de história da literatura é algo que já se tornou igualmente histórico. Grande parte desse caráter polêmico advém da compreensão equivocada de que não se deve estudar mais a literatura em um viés diacrônico, como se isso fosse possível, como se todo fenômeno literário não contivesse em si o germe de sua história, ou, pensando com Friedrich Schlegel, como se todo fenômeno literário não fosse a própria história da literatura. Nossa comunicação discute o caráter polêmico dos estudos diacrônicos de literatura e a aproximação entre história, teoria e crítica literária, cuja fundamentação já se encontra inserida no começo do século XIX, quando August Wilhelm Schlegel, em seus Cursos sobre Literatura Bela e Arte (1801-1802), afirma que estudar literatura é fazer crítica, história e teoria da literatura.
Palavras-chave: HISTORIOGRAFIA LITERÁRIA, FRIEDRICH E AUGUST SCHLEGEL, PRIMEIRO ROMANTISMO ALEMÃO, CRISE NOS ESTUDOS DIACRÔNICOS