Ao longo dos anos 1930 e 1940, o cineasta Serguei Eisenstein dedicou-se à construção de um legado teórico sobre a linguagem cinematográfica. Grande parte desse material, registrado em manuscrito e, posteriormente, publicado como artigo em revistas e livros, é fruto de suas anotações para as práticas, ou aulas, ministradas no curso de teoria e prática de direção cinematográfica do Instituto Estatal de Cinema Russo (VGIK). O programa do curso desenvolvido por Eisenstein era direcionado para um processo de formação multifacetado que envolvia a apropriação do conhecimento advindo de diferentes áreas a fim de que o futuro diretor pudesse construir, de maneira consciente, a sua essência do cinema. A tessitura cinematográfica, entendida como síntese de todas as artes, era pensada em um trajeto transdisciplinar com o intuito de compreender em que medida os aspectos ditos cinematográficos, presentes na composição das artes anteriores ao cinema, contribuiriam para a formação da sétima arte. Esse processo de aproximação entre características da linguagem cinematográfica e as demais artes, revelado por meio de análises e estudos rigorosos de obras da literatura, pintura, dança, teatro etc, é conhecido, na bibliografia eisensteniana, como cinematismo. Essa forma de compreensão estética, ultrapassando as fronteiras de cada linguagem, era explorada com o propósito de estabelecer um método de criação artística e conceber mecanismos para a construção da imagem a partir de um tema. Nesse âmbito, a literatura é explorada por Eisenstein como uma área que fornece profícuos exemplos do processo de construção criativa de uma imagem. O cineasta escreveu vários artigos sobre cinema e literatura analisando obras clássicas da literatura mundial, de autores como Émile Zola, Honoré de Balzac, Gustave Flauber entre outros. Ao explorar as obras da literatura russa, há dois autores que ocupam um lugar central nessas análises: Aleksandr Púchkin e Nikolai Gógol. Na produção de ambos, Eisenstein destaca o processo de construção da imagem artística, por meio da montagem, e as linhas de tensão que estabelecem a concepção da estrutura do texto artístico. O objetivo dessa comunicação é traçar, de modo inicial, os componentes da obra de Aleksandr Púchkin que interessam a Serguei Eisenstein. Para tanto, a leitura proposta nesta comunicação parte do mergulho eisensteniano na concepção da estrutura artística presente no artigo “Púchkin montador”, em que o cineasta desenvolve a análise de um trecho do poema “Ruslan e Liudmila”, escrito em 1820, e de outro excerto retirado do poema narrativo, “Poltava”, escrito em 1828. Dessa análise, também é possível verificar de que modo o processo de concepção dos poemas de Púchkin dialoga com produções do cineasta.