Anais
RESUMO DE ARTIGO - XV ENCONTRO ABRALIC
JEITO DE CORPO: DESBUNDE COMO RESISTÊNCIA POLÍTICO-POÉTICA
LEONARDO DAVINO DE OLIVEIRA
Segundo os dicionários, desbundar é perder o auto-controle, perder as estribeiras, tirar o disfarce, causar espanto e impacto. Daí a possibilidade de relacionar o desbundado e o louco, o alienado e o vagabundo. A imagem do hippie estadunidense serviu de modelo para a dicionarização do desbunde entre nós. No entanto, fazendo uso das estéticas convergentes da Tropicália, o desbundado vivia no corpo seus ideais de contracultura e de contestação dos modos de vida ocidental. Misticismo, orientalismo, terapias alternativas, psicologia corporal, sexualidade libertária e ecologia regiam a ética do desbunde. A consciência da falência dos modelos disponíveis levava o desbundado – sendo de esquerda – a questionar os procedimentos da própria esquerda. Ou seja, o desbundado era marginal por excelência, pois afrontava tanto a direita conservadora, quanto a esquerda militante; tanto o regime militar, quanto quem combatia o regime com a luta armada. Talvez a canção que melhor sintetize essa ideia seja “Maluco beleza”, de Raul Seixas e Cláudio Roberto: “e esse caminho que eu mesmo escolhi / é tão fácil seguir por não ter onde ir / controlando a minha maluquez misturada com minha lucidez”, dizem os versos. Ao contrário da energia permanentemente solar imposta à imagem dos desbundados, eles pareciam agir entre aquilo que Oswald de Andrade chamou de “uma consciência participante” e “uma rítmica religiosa”. Eles agiam “contra todos os importadores de consciência enlatada”, buscando “a existência palpável da vida”, como também escreve Oswald no seu “Manifesto Antropófago”. Essas expressões servem para pensarmos o desbundado para além do lugar comum. O desbunde estava intimamente relacionado à ação performativa em seu instante-já, a um jeito de corpo: de Caetano Veloso interpretando “Tenho ciúmes de tudo” na TV a Maria Alcina interpretando “Fio Maravilha” no Macanãzinho. Passando pelos amalgamas de gênero e sexo dos Dzi Croquettes e dos Secos e Molhados. No Brasil, desbundar é resistir, é engendrar gestos artísticos antiprovincianos e lutar contra a mentalidade conservadora e domesticadora dos corpos. O desbundado faz do desbunde a crítica: a crítica como resistência, a resistência como desvio, o desvio como enfrentamento. A partir dessas premissas gerais, esse trabalho busca reconhecer gestos de desbunde, de dessacralização, de transformação do exótico em óbvio, do tabu em totem na canção brasileira contemporânea. Da “bicha, preta e pobre” Liniker ao “rapper gay” Rico Dasalam; da imagem do índio tecnizado em Jaloo ao empoderamento – “do gueto ao luxo / do luxo ao gueto” – de Karol Conká.
Palavras-chave: DESBUNDE, CORPO, CANÇÃO, CONTEMPORÂNEO
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