AÏCHA AGOUMI DE FIGUEIREDO BARAT, JULIO CÉSAR VALLADÃO DINIZ
Esta comunicação pretende mostrar como, a partir dos anos 70, a presença da poesia visual marcou algumas capas de disco icônicas. Nos anos 1960 e 1970, as vendas estratosféricas de disco fizeram a indústria fonográfica mundo afora explodir. No Brasil, onde a música age como uma das mais fortes e abrangentes expressões da cultura, o disco foi, durante muito tempo, o ponto inicial e crucial no processo de comunicação do artista com o grande público. Ele foi um produto consumido pelos mais diversos segmentos da população e o maior veículo de trabalho dos artistas até meados dos anos 1990. Todavia, nem sempre o cuidado estético com as capas foi uma questão para as gravadoras. Foi somente no encalço de uma série de modernizações que o país atravessou nos anos 1950 que ocorreram transformações fundamentais para a comunicação das capas de disco. Com o advento do tropicalismo e da grande inventividade das capas concebidas pelo designer e poeta Rogério Duarte, um pontapé foi dado em direção às múltiplas possibilidades do quadrado do LP. A capa, ou a identidade visual do disco, é materialidade e potência performativa do artista e evoca uma estratégia criativa. Para além de ser simples invólucro de discos, é interessante notar como ela é terreno fértil para a expressão artística de uma poesia visual enquanto parte de um projeto musical maior, que se apropria de fortes simbologias e identidades. A valorização do poder da palavra escrita, assim como a visualidade da palavra, pensada em elos com as canções contidas nos discos, surge em diversas capas. A construção de uma plasticidade poética é consequência direta da influência das vanguardas russas, da liberdade dos caligramas de Guillaume Apollinaire, do coup de dés de Stéphane Mallarmé. No Brasil, como aponta Haroldo de Campos, Oswald de Andrade libera a poesia do “vício retórico nacional”: “a poesia ‘pau-brasil’ de Oswald [...] caracteriza-se pela linguagem reduzida, pela extrema economia de meios, pela intervenção surpreendente da imagem direta, do coloquial, do humor”. A isto se alia a invenção pelos concretos do poema visual, mas também da teoria do não objeto e do poema espacial por Ferreira Gullar. Todos estes marcos influenciaram a geração de capistas seguintes, que atuaram no auge da expansão do mercado fonográfico, quando vendas astronômicas permitiram a feitura de capas especiais, com encartes e desdobramentos. Esta apresentação abordará capas influenciadas e marcadas pela poesia visual e suas possibilidades, capas de discos que deram destaque especial à palavra e/ou ao gesto poético contido em sua manipulação ( como Milagre dos peixes, de Milton Nascimento; Barra 69, de Caetano Veloso e Gilberto Gil; Índia, FaTal e Legal, de Gal Costa; Cores, nomes, UNS e Transa, de Caetano Veloso; Chico canta, de Chico Buarque; Próxima parada, de Marina Lima; Nós, de Marcelo Camelo; Cavalo, de Rodrigo Amarante).
Palavras-chave: MUSICA POPULAR, CAPA DE DISCO, POESIA, VISUALIDADE