É anterior ao advento da escrita a necessidade que o homem tem de contar histórias. Com o propósito de relatar acontecimentos – factuais ou ficcionais –, transmitir ensinamentos ou uma forma de passar o tempo, contadores de histórias – ou “estórias”, numa acepção rosiana –, utilizavam-se de vários recursos lúdicos para uma melhor apreensão do texto – em sua modalidade oral –; sua evolução, o conto literário escrito, gênero limitado apenas pela criatividade do escritor, ganha novos espaços na contemporaneidade. Outrora desprestigiado – a exemplo de escritores consagrados pela produção romanesca, só tendo sua produção contista valorizada na posteridade –, é a partir da publicação dos irmãos Grimm que a palavra “conto” recebe a acepção de gênero literário e, lenta e gradualmente, caminha para se tornar um gênero prestigiado. Alguns escritores, como Machado de Assis, salientaram o pouco valor dado – em épocas passadas – a esse gênero textual, por causa da sua aparência de “facilidade”, ao contrário da sua real dificuldade de produção. Ele oferece várias possibilidades para a narração de fatos comuns e incomuns, associados ou não ao cotidiano. A capacidade artística do sujeito permite que este sempre produza discursos representativos daquilo que vê, pensa, imagina, em consonância com a estética vigente – de prestígio – de sua época, ou subvertendo-a com o propósito de renová-la. De Boccaccio, Hoffmann e Guy de Maupassant, passando por Edgar Allan Poe, Arthur Conan Doyle e Charles Dickens, até Kafka, Borges e Cortazar, diversos escritores consagrados não apenas se apropriaram da estética do conto, como também realizaram suas próprias experiências, levando ao amadurecimento do gênero. Em língua portuguesa, embora ajam relatos de uma breve produção contística desde meados do século XVI, é por volta do Oitocentos que o conto, em sua modalidade escrita, caminha para o seu amadurecimento. A partir daí, temos grandes escritores que foram/são, também, grandes contistas, como Eça de Queirós, Machado de Assis, Miguel Torga, Guimarães Rosa, Luís Bernardo Honwana e Boaventura Cardoso. No Brasil e em Moçambique, diversos escritores, em diferentes momentos da história de seus países, apropriaram-se das possibilidades estéticas desse gênero, seja em resposta à uma prestigiosa produção romanesca, seja como forma de subversão da linguagem e resgate das tradições orais. José J. Veiga e Mia Couto, dois escritores consagrados – o primeiro, com uma obra póstuma que de tempos em tempos é redescoberta; o segundo, um dos mais relevantes escritores de língua portuguesa da contemporaneidade – que, para além da produção de narrativas longas, possuem uma ampla produção contística, as quais utilizaram como espaço para suas experimentações estéticas e seus percursos literários. O presente trabalho visa lançar olhares tanto sobre os percursos estéticos aproximativos desses dois escritores , bem como o diálogo que realizam, para além dos escritores “não-lusófonos”, com toda uma tradição de escritores “lusófonos” que amadureceram o gênero ao acrescentar-lhe as mais diferentes possibilidades do discurso literário, como o discurso fantástico e a metaficção historiográfica, dentre outros.