PATRÍCIA CRESPAN MANTELLI, ROSANGELA FACHEL DE MEDEIROS
Conforme nos alertou Laura Mulvey em seu notório artigo “O prazer visual e cinema narrativo”, escrito em 1973, o sistema e a linguagem cinematográficos sempre foram marcados e definidos por um olhar masculino. Ana Kaplan complementa a reflexão de Mulvey ao afirmar que: “o modo pelo qual a mulher é imaginada nos dramas convencionais de Hollywood emerge do inconsciente patriarcal masculino. São medos e fantasias do homem sobre a mulher que achamos nos filmes, não perspectivas e inquietações femininas” (KAPLAN apud LOPES, 2002, p. 212). Neste sentido o campo cinematográfico se revela um território narrativamente norteado pelo olhar masculino, gerando o questionamento que norteia nosso trabalho: ao assumir a direção das narrativas cinematográficas as mulheres imprimem ao fazer cinematográfico um olhar feminino? Para refletir sobre esta questão propomos uma análise comparada de duas obras cinematográficas de diretoras do cinema contemporâneo latino-americano: Que horas ela volta?, (2015), da brasileira Anna Muylaert (1964), e La mujer sin cabeza (2008), da argentina Lucrecia Martel (1966). Através desta análise buscamos identificar a constituição ou não de um olhar cinematográfico feminino tanto na temática: questões de gênero, sexualidade, feminismo, machismo, poder e hierarquização; quanto na linguagem narrativa. Em um lócus cinematográfico duplamente periférico, diretoras latino-americanas: representantes de cinemas nacionais marginais ao sistema hegemônico transnacional hollywoodiano (GETINO, CANCLINI); e, em seus respectivos cinemas, mulheres em uma seara dominantemente masculina (MULVEY, KAPLAN); estás diretoras nos apresentam diferentes olhares sobre a condição feminina em seus países e, assim sendo, na América Latina. E o fato de ambas as obras serem protagonizadas por personagens femininas, que colocam em discussão o lugar da mulher na sociedade contemporânea latino-americana e os lugares que ela vem ocupando, certamente não é mero acaso.