O trabalho propõe uma leitura do último livro da Tamara Kamenzsain, O livro dos divanes, a partir da ideia de “inspiração”, em cruzamento com o discurso filosófico e psicanalítico. O estado de "inspiração" ou “entusiasmo”, como concebido por Platão no diálogo "Ion", está ligado a um estar “possesso” ou “fora de si”, isto é, a inspiração é pensada não como uma iluminação interior e sim como uma “incorporação" de algo que vem de fora, no caso um furor divino, como foi interpretado o entusiasmo posteriormente. Na modernidade, esse "furor divino" vai assumindo outras feições, em geral associado a estados alterados da consciência ou mesmo com o inconsciente. No último livro de poesia de Tamara Kamenszain é interessante observar como se desenvolve um paralelo entre a psicanálise e a poesia como discursos que, ao mesmo tempo, “inspiram” e “curam”. Tudo surge do divã psicanalítico (daí o título do livro) onde a poeta-personagem relembra sua doença respiratória na infância. "Me resigno a no dejarme inspirar”, "Curarse del asma, de no poder inspirar(se) fue una ilusión”, dizem alguns versos. Essa “inspiração” tem a ver, então, tanto com uma respiração quanto com uma escuta, com a troca que acontece no divã psicanalítico. A escuta analítica contorna um silêncio, um não dito, um tabu que é frequente na poesia de Kamenzsain. Neste último livro, a história pessoal e familiar, que está presente na obra inteira da Tamara, vai se entretecendo com a história de uma geração marcada tanto pela forte presença da psicanálise quanto pelos silêncios e tabus que a História lhe impôs. Assim, os assuntos biográficos – a questão judaica, o luto, o amor- são sempre colocados em tensão com questões que excedem absolutamente o âmbito pessoal, de maneira que a questão identitária é sempre problematizada. Sua poesia encena assim as relações tensas entre sujeito e comunidade, se colocando ao mesmo tempo fora e dentro, pertencendo e não pertencendo a ela. Pode se dizer, no entanto, que pelo menos desde o início da modernidade as relações entre os poetas e a comunidade já eram de algum modo tensas e ambíguas. O presente trabalho faz parte de uma pesquisa mais ampla, em torno das relações entre, por um lado, poesia e ética, entendida como “formas de vida” ou como “práticas de si” (numa linhagem que remonta às escolas helenísticas retomadas por Foucault, passando por Spinoza, Nietzsche e Deleuze) e, por outro lado, poesia e comunidade, focalizando precisamente nas formas do in-comum, onde a comunidade é colocada em tensão.