O objetivo do nosso trabalho é discutir aspectos da identidade cultural da Amazônia brasileira a partir da leitura do romance Safra, do escritor paraense Abguar Bastos. Nesse romance observa-se a representação do ciclo da castanha do Pará e todo um arcabouço de problemas sociais, políticos e culturais advindos dessa atividade econômica. Estamos propondo reler a Amazônia a partir do olhar desse autor que procurou dar voz a sujeitos excluídos socialmente, migrantes, mulheres e outros, que em suas vivências enfrentam adversidades marcadas pela subjugação econômica. A análise embasa-se na teoria dos Estudos Culturais e Pós Coloniais, subalternos, de-coloniais, que prioriza a multiplicidade do mundo contemporâneo, apontando a necessidade de produção de novas epistemes, novos saberes, novas formas de viver e de ser. A proposta vincula-se ao desejo de desconstrução de concepções de identidades fixas e estabilizadas para a Amazônia, apresentando a diferença cultural e a heterogeneidade como marcas dessa região. No romance observamos a situação de miséria vivida pelas crianças do povo – comedores de barro, da mulher negra que é convidada a retirar da escola o seu filho sem pai, e também da prostituta que servia somente aos presos, essa expressão cultural, social e política de manutenção dessas classes sociais são prioridades nas denúncias de Abguar. Esse escritor adentra um mundo de descrições para refletir a concepção de manutenção da sociedade estática, revelando uma Amazônia fora do olhar do colonizador: a mobilidade humana, as etnias, os espaços, as classes sociais, a questão de gênero, a sexualidade, a nação, as diferentes épocas, as articulações de grupos e as formas de discurso são fatores determinantes desse processo, dando ao romance grande complexidade. As mobilidades são vistas através dos migrantes que compõem o espaço e o rio, que aparece como objeto de trânsito, movendo culturas, levando e trazendo pessoas, mercadorias, provocando processos intensos de hibridação cultural. Podemos destacar na narrativa uma tentativa de neutralização de identidades no espaço amazônico, através da vulgarização da aparência humana, numa confluência de cores, tecidos e odores. A modesta vila Coari tem os representantes da justiça, os coronéis donos dos castanhais, os trabalhadores, órfãos, prostitutas e crianças, todos de acordo com a proporcionalidade e decência de cada classe. Isso significa que Abguar Bastos se compromete com a construção de um painel cultural/social/político da Amazônia, configurada e reconfigurada a partir de elementos de heterogeneidade, de hibridismos e diálogos culturais. A pesquisa que apresentamos aponta um olhar epistêmico para uma produção cultural de uma região de fronteira, historicamente marcada pelo olhar do colonizador.