Da desimportância de um lugar que se crê selvagem (e que não o é totalmente, de fato) inventam-se falas e lendas que se configuram como estratégia de fixação de uma identidade para aquele local. Antônio Cândido, no prefácio da Formação da Literatura Brasileira afirma sermos galho secundário da literatura portuguesa, por sua vez, arbusto de segunda ordem do jardim das musas, ressaltando, porém, que se nós não cultivarmos nossa literatura, ninguém o fará por nós. Por outro lado, Tanto Hall, quanto Tomás Tadeu da Silva, argumentam ser a identidade fruto da diferença, resultado, portanto, do contraste entre o eu e o outro. É na confluência destes dois rios caudalosos que cremos ver nascer, desde o período das narrativas de viagem e das expedições científicas, uma forma de etiologia do lugar, ou um discurso etiológico que procura não apenas justificar o surgimento e a importância de dado lugar (no nosso caso Roraima), mas que se configura como a resultante direta do discurso do outro, do estrangeiro que aqui esteve na tentativa de criação de uma identidade. Esse discurso, em alguns casos se mostra, inclusive alheio a elementos do próprio lugar, buscando para além das fronteiras deste, outros componentes que podem implicar em fragmentos de diásporas e/ou em diferentes estratégias e artifícios literários. Para tanto, buscamos indícios, em três obras de Nenê Macaggi (A Mulher do Garimpo, Exaltação ao Verde e Nará Sué Warená), considerada a romancista fundadora de nossa literatura em Roraima e da poesia de alguns dos principais integrantes do Grupo Roraimeira (Zeca Preto, Neuber Uchoa e Eliakin Rufino), destas construções de papel, cuja materialidade não corresponde diretamente aos costumes locais ou a elementos das culturas tradicionais. Um exemplo destes deslocamentos pode ser encontrado na poesia de Zeca Preto, quando este, mesclando elementos tidos como tradicionais da cultura e da paisagem Paraense (sua terra natal), insere-os no contexto diaspórico, como partes da identidade local. Assim, o patchulí e outros símbolos de alhures, passam a constituir os elementos de uma imagem da identidade roraimense. A estratégia, embora não o pretenda, contribui para um discurso da unidade, do mesmo, de uma região homogênea, cujos elementos simbólicos encontram-se igualmente repartidos e difusos, o que não representa a Amazônia, ao mesmo tempo em que aponta sua pluralidade e exotismo, ao indicar esta mesma presença em solo estranho à origem. O intuito, desta linha crítica, longe de desmerecer os autores em questão, é demonstrar que existe/existiu um projeto para a construção de uma literatura identitária de Roraima que nem sempre logrou êxito. Na busca por estes indícios foram utilizadas, inclusive, entrevistas dadas pelos autores e trechos de suas obras. A pesquisa busca compreender em que medida esses projetos alcançaram êxito também diante do público e da crítica, avaliando em parte o grau da receptividade da produção literária destes autores a partir de sua penetração nas camadas mais populares da população.
Palavras-chave: LITERATURA EM/DE RORAIMA, ESTRATÉGIAS DE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE, IDENTIDADE E LITERATURA, NENÊ MACAGGI E RORAIMEIRA