Anais
RESUMO DE ARTIGO - XV ENCONTRO ABRALIC
CHARLES EXPILLY: UM ANTROPÓLOGO POR ACASO
MARIA RUTH MACHADO FELLOWS
Charles Expilly: um antropólogo por acaso Em 1862, Charles Expilly publica o relato de viagem Le Brésil tel qu’il est, fruto de observações feitas ao longo de sua permanência no Rio de Janeiro do século XIX. No prefácio, ele justifica o título da obra para seu leitor, declarando que suas impressões e apreciações estariam muito mais próximas da realidade – em comparação com outros relatos até então publicados –, visto que ele havia vivido com os trabalhadores e como um trabalhador. Expilly, diferentemente de outros escritores, artistas e viajantes que vieram ao Brasil subvencionados por algum tipo de poder como, por exemplo, Jean de Léry e André Thevet no século XVI, Auguste de Saint-Hilaire e Ferdinand Denis no século XIX, saiu de Paris para “fazer fortuna”, sem nenhum respaldo institucional. Jovem escritor sem projeção no círculo literário da época, escrevendo artigos para jornais e revistas e sem perspectivas de mudança desse quadro, decide se aventurar em terras estrangeiras. A necessidade de “ganhar a vida” combinada com a falta de compromisso com poderes institucionais acabam permitindo comparar o trabalho do escritor com o dos antropólogos do século XIX. Naquele momento, a antropologia, uma jovem ciência, estabelece o fim da repartição observador-pesquisador; o viajante, o que fornece as informações, e aquele que as analisa e interpreta passam a ser a mesma pessoa. Antropólogo por acaso, Expilly observa e analisa indivíduos pertencentes a uma época e a uma cultura, convivendo com esses indivíduos em seu cotidiano, tendo de se adaptar a hábitos e costumes, muitas vezes estranhos e desconfortáveis em relação aos seus. Reconhecendo que algumas passagens de seu relato possuem cores tristes e sombrias, ele as justifica com os fatos produzidos pelas instituições viciadas, de acordo com sua avaliação. O olhar do escritor é penetrante, mas não é capaz de se voltar sobre ele mesmo, indivíduo também pertencente a uma época e uma cultura diferente daquela em que estava inserido. Contando casos ocorridos com ele e com pessoas de seu entorno, Expilly consegue fazer uma radiografia da sociedade do Rio de Janeiro, a partir de descrições e análises moralizantes, carregando sempre consigo a boa consciência que tem sobre si e sua sociedade – a francesa. Em contrapartida, o seu relato, para nós brasileiros, é uma fonte de reflexão sobre o que somos e sobre quem era esse homem estrangeiro e muitos desses viajantes que, com olhares tão diversos, contribuíram na construção da imagem do Brasil para o mundo e para nós mesmos.
Palavras-chave: RELATO DE VIAGEM, CHARLES EXPILLY, CRUZAMENTO DE OLHARES
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