Anais
RESUMO DE ARTIGO - XV ENCONTRO ABRALIC
A SINGULARIZAÇÃO DO LEITOR: ENTRE PERFIS E PERSONAGENS
LUCIANNE MICHELLE DE MENEZES
Diante de uma narrativa, o receptor, de modo quase automático, espera encontrar ali personagens cujo delineamento se fará visível, ainda que isto nem sempre ocorra de forma precisa, nítida. Na ficção de Eça e Machado, há personagens que se definem pelos seus comportamentos de leitura, o que se relaciona aos efeitos de sentido proporcionados pelas obras. Porém, a construção de leitores, em certas passagens literárias, transcende a formatação habitual da categoria de personagem ou, de outro modo, há diferentes maneiras de se compor perfis de leitores, sem necessariamente enquadrá-los como personagens. Ao se considerar como personagem apenas o ente ficcional cuja atuação ocorre nos limites espaço-temporais da obra, ainda que tais fronteiras se alarguem e absorvam contextos de criação como a memória, os devaneios ou as representações oníricas, por exemplo, ainda assim ficariam à margem “seres” que emergem, em determinadas obras, apresentando aspectos que os aproximam da categoria de personagem sem, no entanto, envolverem-se no enredo, como agentes. Se a composição da personagem ocorre por meio da utilização de elementos que a aproximam de um ser vivo, real, com traços que elucidam seu temperamento, sua índole, o que dizer quando essa configuração é relativa ao leitor? Poderia este também ser delineado, mediante atribuição de características que o particularizam? Tal estratégia de criação literária acaba por aproximar dois planos que, embora se comuniquem, são também distintos: o ficcional e o extraficcional. É certo que a criação literária incorpora muitos dados da realidade, utilizando-os como base para a construção de situações vivenciadas em romances e contos, porém, ao se configurar o leitor da obra, de modo semelhante ao que se nota na composição de personagens, faz-se uma mescla, de modo bastante inovador, entre o que é puramente ficção e o que a transcende. Cria-se uma “ilusão de veracidade” uma vez que o leitor, além de ser incitado a atentar para os meandros narrativos, como um expectador privilegiado, também é definido, ganhando contornos e caracteres particulares. Tal técnica narrativa é um aspecto digno de atenção, considerando as estratégias de construção de leitores nos textos machadianos e queirosianos, constituindo-se também como um ponto que diferencia os dois escritores. Nota-se que, nas criações do brasileiro, avultam não apenas personagens cujas leituras interferem nos seus comportamentos (o que também se dá nas obras do autor português) mas são demarcados também perfis de leitores externos que possivelmente se debruçariam sobre tais narrativas e que são traçados à maneira de personagens.
Palavras-chave: PERSONAGEM, LEITOR, COMPOSIÇÃO
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