A série de mistério "A Inspetora", de Ganymédes José (1974-1988, Ediouro), teve 38 títulos publicados e um mantido inédito. As histórias infantojuvenis da Patota da Coruja de Papelão giravam em torno de casos envolvendo ladrões, contrabandistas e todo tipo de injustiça. Ao se examinar as primeiras prensagens da série, encontra-se menção ao título O Caso do Rei da Casa Preta (e “casa” aqui, embora se refira ao tabuleiro de xadrez, reveste-se de certa ambiguidade que implica “Casas Reais” e facções de poder). Ainda que planejado como quinto da série, o livro nunca foi editado… A coleção foi corrigida e menções ao Rei da Casa Preta desapareceram completamente; por 40 anos, seu texto permaneceu silenciado. A recuperação do livro nos arquivos da editora revelou uma história onírica com elementos de Alice no País das Maravilhas e A Fantástica Fábrica de Chocolate: uma das crianças investigadoras, Bortolina, após abusar dos ingredientes que usava ao preparar bombons de licor, cai no sono e passa por fantástica aventura envolvendo peças gigantes de xadrez feitas de chocolate que lutam pelo controle da fazenda onde mora a Patota. A história possui inúmeras alusões a lutas pelo poder, prisões arbitrárias, pessoas desaparecidas e até mesmo tortura, o que reforça a hipótese de que essa foi a razão para o livro ter sido cancelado pela Ediouro. Embora a censura no Brasil tenha se ocupado mais com revistas, jornais e outros veículos de massa, mesmo quando proibiu livros ela não chegou a tocar nos infantojuvenis – nesse universo, a repressão era muito mais autoinfligida, com autores e editores evitavam temas potencialmente perigosos que pudessem afrontar o regime militar. Acreditamos ser essa a primeira evidência documentada acerca dos efeitos da atmosfera política brasileira nos anos 70 sobre a circulação não só de livros, mas de ideias, no âmbito da literatura infantojuvenil.
Palavras-chave: Ganymédes José Santos de Oliveira, children literature, crime fiction, censorship, Brazilian military regime