A pluralidade dos gêneros discursivos nos permite falar em gêneros híbridos para diversas formas de arte, entre as quais a literatura e o cinema. As reflexões sobre os limites da autobiografia e da autoficção são adequadas para a representação literária e audiovisual contemporânea, especialmente quando postas em diálogo, ao observarmos as estratégias de aproveitamento da aparente autenticidade da autobiografia e a desenvoltura ficcional capaz de romper com a objetividade e conservar um ponto de vista narcísico, porém com significativo enfrentamento do real, como ocorre com os filmes de Nanni Moretti. Examinamos aqui as relações entre os filmes do diretor produzidos até 1993 (ano de Caro diario) e a escrita autobiográfica a partir da afirmação da instabilidade dos gêneros, do alcance da autoexposição como mecanismo estético, crítico e autocrítico. Nossa análise desvenda a recusa de certos parâmetros pelos filmes de Moretti, como o da biografia de uma geração, o da autobiografia individual e coletiva, que são substituídas pela comicidade calculada, sem apego ao moralismo ou às ideologias nas intenções. A utilização da primeira pessoa como foco narrativo revela uma disposição de Moretti em contrastar como diretor o estado do cinema italiano, as questões cívicas como cidadão e sua vida privada com preocupações e fantasias, sem uma posição ideológica preconcebida. Moretti aproveita uma forte tendência da produção literária contemporânea, dá acesso à intimidade de suas opiniões e fatos da vida cotidiana para ganhar o espectador seduzido pela necessidade de autenticidade, contudo produz uma autoficção muito envolvida ética e politicamente com seu tempo, a começar pelo desmascaramento do discurso realista e do próprio narcisismo.
Palavras-chave: Autobiografia. Literatura e cinema. Nanni Moretti