Anais
RESUMO DE ARTIGO - XV ENCONTRO ABRALIC
DESTINOS POR ASSINAR: A ILEGIBILIDADE COMO EXEMPLO EM MANUEL DE FREITAS
SÉRGIO HENRIQUE DA SILVA LIMA, SABRINA SEDLMAYER
A presente proposta de leitura parte de uma possível aproximação – em que pese o efeito difrativo – entre contemporaneidade e expressão poética. Tomando por referência a poesia do contemporâneo português Manuel de Freitas, pondera-se um modo específico e “exemplar” de experiência vivencial do tempo presente a partir da qual a poesia deve assumir a tarefa de “ler o que não pode ser escrito” e “escrever o que não pode ser lido” (AGAMBEN, 2013). À difícil exigência de des-escrever o presente – pois ao escrevê-lo poderia se correr o risco cada vez maior de um distanciamento, dados os espetáculos que apagam as possibilidades de assimilação – corresponde o impasse em torno de uma miúda recepção poética que se traça tanto pelo âmbito de uma política editorial voluntariamente restrita quanto pelo afastamento das qualidades poéticas que refletem, em rigor, um tempo “sem qualidades”. A poesia, nesse caso, faz-se em seu próprio estado de sobrevivência no poema; a obra, por consequência, imersa num mundo já evidentemente definido pelo radical prosaísmo que enreda as espetaculares formas de produção econômica contemporâneas, assume um destino menor, uma vez que se direciona e se funda no inescrevível e ilegível povo menor. Se a vida da poesia, de um lado, é levada a cabo na inevitabilidade e no fatalismo do verso (na última "dispositio" do verso: o enjambement), de outro, já não pode vislumbrar no poema qualquer modo de salvação em função de duas recusas: uma, quantitativa, que reafirma a sua relação com o mundo da práxis, outra, qualitativa no tangente às formas poéticas. Dentro de tais termos, a poesia de Freitas é “exemplar” num sentido muito próximo daquele que empreendeu Giorgio Agamben (1993), a saber, o que resulta na sua própria exclusão diante de determinadas regras (sejam elas os manifestos ou as afinidades geracionais, ou mesmo os evidentes pontos de tensão poéticos verificados nos limites métricos, semânticos e sonoros), mas que também exibe a sua pertinência a um tipo de comunidade menor (a dos poetas?) que só pode revelar a sua condição de pobreza; de uma miudeza tanto discursiva quanto topológica que hoje traça alguma tendência da poesia portuguesa. É, portanto, por meio e no lugar do verso que o poeta engendra, aporeticamente, uma indiferença entre os gestos de abandono e exibição, buscando, desse modo, uma possível relação com a contemporaneidade. A tal exigência, que se explica, então, por um aprender a não poder não lidar com as fraturas de um mundo excessivamente prosaico e determinado pelo seu caráter quantitativo e, por isso, “sem qualidades”, responde uma poesia que, de modo evidente, revela bem a sua economia em torno da ostentação de indícios de poeticidade, seja no sentido de uma evolução do sublime, seja pela busca de uma autonomia poética. Por outro lado, a poesia de Freitas amplia as condições de comunicabilidade, mesmo se consideradas as descontinuidades (as fragmentações da experiência de realidade) que reproduzem o que é dado como ilegível no contemporâneo. É sob o olhar em torno de uma poesia estética e politicamente “menor”, que busca, invariavelmente, inscrever o que não é, em geral, pressuposto em poesia, que tal proposta se funda.
Palavras-chave: ILEGIBILIDADE, CONTEMPORANEIDADE, EXEMPLO, MANUEL DE FREITAS
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