Senhora dos Afogados (1947), interditada pela ditadura e representada apenas em 1954 é uma das peças do dramaturgo Nelson Rodrigues e é classificada por Magaldi (2004) como uma peça mítica, que retoma ou, no caso desse trabalho, ressignifica o mito de Electra. Além disso, Nelson Rodrigues dá outras duas classificações para a peça: Tragédia e desagradável. Partindo do mito de Electra presente na trilogia de Ésquilo Orestéia (458 a.C.) e as Electra’s de Sófocles (410 a.C.) e de Eurípides(413 a. C.), bem como a releitura Mourning Becomes Electra (1931) analisaremos a peça rodrigueana, buscando a catarse que de acordo com Aristóteles (1996) é a purgação dos sentimentos de terror e piedade. A análise se baseará nos estudos aristotélicos sobre a catarse, enfatizando o que Nelson Rodrigues compreende por “desagradável” projeto que começa a desenvolver nas peças míticas e tem em Senhora dos Afogados o ápice desse projeto que se liga às tragédias gregas. Pretendemos nesse trabalho aproximar os conceitos de catarse que partem da presença do horror e da piedade ao conceito de desagradável, mas não desfamiliar, de Rodrigues até chegarmos ao termo umheimlich, traduzido como estranho e trabalhado por Freud (1996) como aqueles sentimentos naturais que estão escondidos e através da arte, e Freud cita Shakespeare, são revelados causando repulsa e asco. Outro ponto que será enfatizado nesse trabalhado é o personagem simbólico que se faz presentificado em todo peça e desempenha papel basilar que é o mar. Toda a simbologia do mar, dessas águas mortíferas e negras que permeiam a peça, serve de fio condutor para o horror, bem como todos os crimes ocorridos nessas águas. Mergulhar nessa água da morte, de acordo com Bachelard (2002) é entregar-se vagarosamente, tanto que as mortes pelo mar não ocorrem de forma abrupta, mas um por vez até chegarem à casa, como uma maldição, outro elemento das tragédias clássicas e que Rodrigues adapta na peça. Por fim, percebendo as aproximações entre o horror, à partir de Jeha (2007), o desagradável de Rodrigues e umheimlich de Freud, percebemos como Senhora ativa monstros ou, etimologicamente falando, torna visíveis esses monstros que fazem parte de nosso ser, não são desfamiliares e que suscitam um horror, típico das tragédias gregas no sentido da operação da catarse, horror associado a uma piedade ao reconhecer-nos no reflexo dessas águas mortuárias, horríveis e desagradáveis.