A proposta de comunicação aqui apresentada trata-se de um relato de experiência como tradutora, buscando discorrer, todavia, sobre a trajetória do traduzir em terceira pessoa, para desvendar um pouco mais sobre a atuação tradutória de um dos maiores nomes da literatura brasileira: Clarice Lispector, a qual, como é de conhecimento geral, desfruta hoje de grande prestígio não só enquanto parte do cânone literário brasileiro, mas também como uma das autoras latino-americanas de maior destaque em âmbito internacional. Apesar disso, a atuação de Lispector como tradutora não tem ainda sido alvo de grandes debates ou de abordagens sistematizadas, embora ela tenha sido um dos poucos autores brasileiros canonizados a se pronunciar abertamente sobre sua atuação como tradutora, dando pistas para uma investigação mais aprofundada de seu fazer nessa esfera. Os poucos autores que já se debruçaram sobre as traduções de Lispector, no entanto, fizeram contribuições interessantes e, em muitas ocasiões, também polêmicas acerca da interface entre a Clarice autora e a Clarice tradutora. Gomes (2004), por exemplo, lança mão das palavras da própria Clarice em sua crônica Traduzir procurando não trair, publicada na Revista Joia em maio de 1968, para descrever o traço mais marcante das traduções daquela autora, a saber, uma maior preocupação com o produto final, o texto alvo, do que com uma extrema fidelidade ao texto fonte. Lispector é descrita por si mesma como uma tradutora que vivia e revivia a angústia de verter um texto, revisando várias vezes seus diálogos teatrais em voz alta para buscar atingir a coloquialidade que julgava necessária. A tônica da discussão proposta aqui é não só revisitar as palavras de Lispector sobre o traduzir, mas comparar o seu falar sobre a temática com o seu fazer profissional, tanto como autora quanto como tradutora. Para isso, será necessário levar em conta desde os polêmicos relatos de que suas traduções poderiam ter inspirado suas obras autorais (ver Nolasco, 2008), até as incongruências claramente perceptíveis entre as traduções de Lispector no que se refere ao uso de elementos linguísticos específicos, o que poderia alimentar a teoria de que algumas traduções claricianas tratam-se, na verdade, de trabalhos feitos por outros tradutores com menor prestígio (ver Ferreira, 2013). Buscar-se-á, desse modo, lançar mão de elementos macroestruturais (como o contexto histórico em que Lispector autora e tradutora se inseria, o mercado editorial brasileiro naquele momento, etc.) e de elementos microestruturais (tais como os traços específicos da escrita e das traduções assinadas por ela) para uma compreensão do universo tradutório clariciano conforme desvendado por ela mesma, não só em suas declarações diretas, mas também no seu fazer tradutório em si. Referências FERREIRA, Rony Márcio Cardoso. Traduzir pode correr o risco de não parar nunca: Clarice Lispector tradutora (um arquivo). Revista Belas Infiéis, Brasília, v. 2, n. 2, p. 175-204, 2013. Disponível em: . Acesso em: 13 nov. 2014. GOMES, André Luis. Entre espelhos e interferências: a problemática da tradução para Clarice Lispector. Via Atlântica, São Paulo, n. 7, p. 39-52, 2004. Disponível em: . Acesso em: 12 out. 2014. NOLASCO, Edgar Cézar. Clarice Lispector tradutora. Revista Cerrados, v. 16, n. 24, p. 262-272, 2008.
Palavras-chave: CLARICE LISPECTOR, LITERATURA TRADUZIDA, ESTUDOS DA TRADUÇÃO