ELIANE MARIA DINIZ CAMPOS, GUSTAVO BERNARDO KRAUSE
Esta comunicação pretende examinar o conto “Recado do Morro” de Guimarães Rosa (1908-1967) à luz dos estudos culturais bem como referenciando-se na filosofia de Vilém Flusser (1920-1991), em suas ricas contribuições a esse campo de análise. É sabido que tal filósofo conheceu pessoalmente Guimarães Rosa e, embora grande parte da obra de Rosa seja anterior, o pensamento flusseriano pode a ter influenciado. Flusser defendeu que “o estrangeiro, categorizado como tal, se opõe diretamente à repulsa daqueles que se encontram acomodados, à repulsa dos monoglotas e dos experts que desenham fronteiras entre os territórios do conhecimento e da memória” (Cf. Finger, 2008). Para ele, “não há fronteira, não há dois fenômenos no mundo que possam ser divididos por uma fronteira, que seria sempre uma separação artificial.” (Cf. Finger, 2008). A partir disso, cabe aqui analisar a personagem Alquiste ou Olquiste, do conto “O Recado do Morro”, de Guimarães Rosa, considerando a problematização do estrangeiro e das fronteiras, sugerida por Flusser em vários de seus escritos. Nesse conto, o narrador apresenta tal personagem como “Um, de fora, a quem tratavam por seo Alquiste ou Olquiste – espigo, alemão-rana, com raro cabelim barba-de-milho e cara de barata descascada”. Não por acaso, esse e os demais transeuntes “iam, serra-acima, pelo espigão divisor.”(Cf. Rosa, 1969). Assim, é possível pensar práticas de escritas em trânsito através desse personagem estrangeiro e sua caderneta de anotações (até como uma referência ao próprio autor e suas viagens pelo sertão mineiro). Além disso, pode-se focalizar, nesse conto, a diluição de fronteiras (espaciais, linguísticas e culturais), determinando uma possível geologia literária do sertão roseano, definido inúmeras vezes como universal, um “entrelugar” (Cf. Santiago, 1978). Bibliografia: AVILA, Myriam. O retrato na rua: memórias e modernidades na cidade planejada. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008. BERNARDO, Gustavo, Anke Finger, Rainer Guldin. “Vilém Flusser e os estudos culturais”. In.___ Vilém Flusser – uma introdução.São Paulo: Annablume. 2008.pg.39; pg.48. KRISTEVA, Júlia. Estrangeiros para nós mesmos. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. ROSA, Guimarães. “Recado do Morro”. In.___ No urubùquaquá, no Pinhém. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1969. pg.11. SANTIAGO, Santiago. “O entrelugar do discurso latino-americano”. In:___. Uma literatura nos trópicos. São Paulo: Perspectiva, 1978, p.11-28. SCHOLHAMMER, Karl Erik. “O olhar antropológico ou o fim do exótico”. In.___ Além do visível: o olhar da literatura. Rio de Janeiro: 7LETRAS, 2007. SUSSEKIND, Flora. O Brasil não é longe daqui: o narrador, a viagem. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. TODOROV, Tzvetan. A conquista da América, a questão do outro.São Paulo : Martins Fontes, 1983.
Palavras-chave: ESTRANGEIRO, FRONTEIRAS, UNIVERSAL, ESCRITAS EM TRÂNSITO