FERNANDA VIEIRA DE SANT ANNA, VALÉRIA SILVA DE OLIVEIRA
A globalização e o crescente fluxo de informação nas sociedades contemporâneas deram fluidez aos processos migratórios em todo o mundo. Ainda assim, a ideia de integração é utópica, já que as teorias críticas e estudos culturais e literários atuais sugerem que há um mosaico de contradições (HALL, 1996). Segundo Salgueiro (2014), é urgente “[...] a produção de novos saberes comparatistas para pensar questões que deem conta da mediação de línguas e culturas colocadas em contato de formas tantas vezes imediatistas e, involuntárias, em conflito com poderes hegemônicos, gerando exílios também involuntários”(p. 73-74). O sujeito remapeado resultante de um deslocamento territorial rompe barreiras linguísticas e culturais para traduzir suas novas experiências de mundo através de uma língua estrangeira. Nesse cenário de diluição de fronteiras, sejam elas globais ou locais, as obras de A Map to the Door of No Return: Notes to Belonging de Dionne Brand e I, Rigoberta Menchú: An Indian Woman in Guatemala, de Rigoberta Menchú se destacam na fluidez das construções de identidade. Por serem narrativas autodiegéticas, as obras revelam uma perspectiva única e de subjetividade expressiva. Dionne Brand é natural de Guayaguayare, Trinidade e Tobago, aproximadamente a 10 km de distância da costa oriental da Venezuela. Posteriormente migrou para o Canadá onde reside atualmente. Sua obra A Map to the Door of No Return: Notes to Belonging, é de difícil categorização, a obra flerta com cartografia e narrativas de infância, ancestralidade Africana, jornadas, histórias, filosofias e literatura, desenhando as mutantes bordas do pertencimento, nação, lar e identidade em si mesma, sendo não-ficção e ficção ao mesmo tempo, e se refere à busca por identidade e pertencimento em um mundo culturalmente imenso e diverso. No viajar pela paisagem Canadense, Dionne Brand leva o leitor para um lugar de imaginação que é também uma falha na história, o meio do caminho, ou “entrelugar” (Santiago, 1978), onde inúmeros sujeitos hifenizados vivem diariamente. Através das viagens de Brand inseridas no livro, ela explora as relações coloniais e pós-coloniais evocadas pelos lugares que visita em uma geografia de heranças imperiais. As relações coloniais também estão presentes na autobiografia ficcional de Rigoberta Menchú, embora elas se realizem em uma esfera mais local. Rigoberta Menchú é indígena guatemalteca do grupo Quiché-Maia, ativista e ganhadora do prêmio Nobel da Paz de 1992. Segundo a obra em questão, a geografia também muda para Rigoberta Menchú quando sai pela primeira vez da comunidade indígena para trabalhar na capital. Após esse deslocamento territorial, embora eventualmente retorne para sua comunidade, Menchú jamais seria a mesma. Seu retorno implicou o remapeamento de si, o que se refletiria nas suas relações de identidade e sociais. Produto da instável configuração linguística e geográfica do mundo contemporâneo, a obra da Menchú em si contém questões de língua e cultura já que embora seja de origem indígena, ela narra sua história em espanhol a uma antropologista Venezuelana (Burgos-Debray) em Paris. Menchú e Brand são sujeitos de uma escrita em trânsito, remapeando identidades em territórios reais e ficcionais.