Anais
RESUMO DE ARTIGO - XV ENCONTRO ABRALIC
AS MARCAS DO TRAUMA NO DISCURSO DE SOBREVIVENTES DO HOLOCAUSTO
SOFIA DÉBORA LEVY
Considerando-se diferentes tempos de elaboração e enunciação, variáveis de pessoa para pessoa, temos dentre os sobreviventes do Holocausto aqueles que logo após a libertação tentaram relatar seus traumas e não encontraram interlocutores; os que se calaram e levaram anos até optar e conseguir narrar suas agruras; e ainda os que pereceram sem mais transmitir aquelas memórias. O comportamento destrutivo motivado por ideologias, raciocínios fechados, estigmas, ou quaisquer justificativas que se configurem como fatores motivacionais para execrar o outro é uma atitude de violência psicológica que gera na vítima uma pergunta que sidera sem resposta completa: por quê? A busca de respostas a essa pergunta atravessa a tentativa de elaboração das vítimas de trauma ao longo de toda a sua vida. A falta de entendimento da violência psicológica e, em especial, ontológica - como se deu no caso dos judeus, marcados pelo nazi-fascismo para morrerem pela sua condição de ser, a partir de uma categorização identitária que lhes fora imposta - mantem por anos a fio a pergunta, levando a elaborações muitas vezes parciais, na tentativa de dar um sentido à arbitrariedade que lhes levou a testemunhar o que há de pior no ser humano. Assim é que a rememoração dos sobreviventes se pauta por uma temporalidade de elaboração tão mais reticente quanto mais violento tenha sido o impacto de suas vivências. As marcas traumáticas figuram nos discursos com hesitações e silêncios que se alternam com longas enunciações decorrentes de associações encadeadas de lembranças de fatos, sensações e sentimentos. Esse fluxo descontínuo ilustra a consciência afetada pelo impacto da violência que incidiu sobre o funcionamento dessa instância ôntica central na dinâmica psíquica, fundamental na coordenação e apercepção do processamento e da responsividade do sujeito frente a si, aos outros e ao mundo circundante. Ao entrevistarmos os sobreviventes, percebemos que há um tempo a ser respeitado para a reestruturação interna necessária para enunciação do discurso, cabendo ao interlocutor o cuidado para com esse ritmo e a percepção de aspectos peculiares da enunciação por parte dos sobreviventes – por exemplo, a predominância do caráter descritivo em vez do dialógico, que nos levou a indagar sobre os comprometimentos da capacidade reflexiva dos sujeitos durante e depois do trauma. Entendemos que os sobreviventes do Holocausto, submetidos a traumas sucessivos e sobrepostos, sofreram uma desestruturação psíquica a partir da qual efeitos como déficit na clareza de percepção, na articulação do pensamento e na capacidade de responsividade, entre outros, parecem ter contribuído para a dificuldade em conseguir acessar a sua própria capacidade aperceptiva no momento do trauma. Portanto, é por meio do reinvestimento nessa capacidade que conduzimos as investigações tendo suas histórias de vida como referência norteadora.
Palavras-chave: NARRATIVA, TRAUMA, HOLOCAUSTO
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