A definição e a delimitação entre a esfera privada e a esfera pública é uma questão tão antiga quanto paradoxal. Partindo da tradução latina de alguns termos gregos, seguindo para o encaminhamento e a adaptação desses termos ao pensamento romano, tem-se a formação de um emaranhado de considerações que, ora se completam, ora se confrontam, ora se excluem. Toda espécie de vida humana encontra-se enraizada em um mundo de homens e de coisas feitas pelos homens, no qual está a essência e o essencial para a realização dessa vida, que se desenvolve nos domínios privados e públicos. Essas esferas abarcam os espaços possíveis de consumação das ações praticadas pelas pessoas, quer sejam elas atividades individuais ou performances desempenhadas em grupos. Com a instauração da Era Moderna, no século XIX, e o surgimento da esfera denominada social, que não era considerada nem privada e nem pública, os limites entre esses domínios acabam se confundindo, e a delimitação de uma divisão entre esses espaços torna-se cada vez mais difícil. Uma fronteira muito pequena e frágil passa a existir entre aquilo que compreende o que é privado e o que é público, modificando até os significados que essas instâncias receberam ao longo de sua constituição. Diante dessa realidade, vida privada e vida pública entram em conflito: certos interesses, que eram de cunho particular, ganham notoriedade e, consequentemente, tornam-se alvo popular. Nesse contexto, a intimidade passa a ser considerada muito mais por aquilo que ela representa, diante da sociedade, do que por aquilo que, de fato, ela é. Em muitas situações, a partir dessa nova configuração social, é a noção determinada pelo público que tem dado significação à vida privada. Em meio a essa conjunção, está a crônica “Amor & casamento”, de Rachel de Queiroz, escrita em 22 de março de 1997 e inserida no livro "Falso mar, falso mundo" (2002), em que as particularidades de um casamento são compartilhadas no domínio público. Os acontecimentos da esfera do lar e da família são analisados entre as atividades relativas ao mundo comum, e os sentimentos pessoais são tratados no espaço da coletividade. Essa representação remete a uma sociedade que, ao sair do interior de seu lar, com destino à esfera pública, não apenas enfraqueceu a antiga fronteira existente entre o domínio privado e o domínio público, como também modificou o significado desses dois termos e a importância deles para a vida do indivíduo e do cidadão, a ponto de torná-los, em certas ocasiões, distintos, outras vezes, tão próximos e até indissociáveis.