Este artigo se propõe a debater a noção conceitual de dialogismo, de Mikhail Bakhtin, e suas implicações na definição do gênero romanesco. A teorização de Bakhtin sobre o romance apresenta esse gênero literário como a potencialização dos vários usos da língua, ou gêneros discursivos, articulados em uma arquitetura formal engendrada pela consciência do autor criador. Suas proposições sobre esse tema foram elaboradas entre 1930 e 1960 e afastam o romance daquilo que tradicionalmente o associa a um “uso especial da linguagem”. Ao estabelecer uma genealogia prosaica e uma realização linguisticamente motivada para o romance, Bakhtin problematiza a noção de literário, pois coloca em foco os efeitos da combinação de discursos em uso de que se aproveita o romance em sua realização. A hipótese aqui é a de que o romance, como modalidade narrativa moderna, sustenta sua realização na tomada dos efeitos dos múltiplos discursos sociais no mundo da linguagem, figurando a realidade por meio da linguagem que a expressa, com suas tensões, contradições e múltiplos cruzamentos de sentido; dessa forma Bakhtin nos aponta um caminho por meio do qual a representação mimética da realidade dá lugar a uma realização mais complexa, na qual a personagem e o mundo evocados são dados pelo funcionamento da linguagem posta em ação, dialogicamente, com a sugestão permanente da atuação responsiva do leitor. Com vistas ao aprofundamento dessa reflexão, propomos, ao final dessa apresentação, uma anotação especulativa sobre dialogismo e polifonia no romance Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa.