Este trabalho procura, a partir de uma perspectiva teórico-metodológica dos atuais estudos da Literatura Comparada, observar, no discurso intelectual das últimas décadas do século XIX, a construção do lugar do ex-escravo negro na sociedade brasileira. Assis Chateaubriand, em 1922, compara o contexto brasileiro ao estadunidense para explicar que, no Brasil, o ex-escravo, “praticamente da família”, não encontrara resistência em sua inserção social após o 1888. Partimos da hipótese desse discurso apaziguador da escravidão como exemplo de uma característica das narrativas (Bhabha, 1990) de fundação do nosso período de colonialismo interno, e reunimos um conjunto de semelhantes comparações entre a escravidão no Brasil e nos Estados Unidos para verificar como o tema foi tratado pelos intelectuais brasileiros no contexto posterior à abolição. Especificamente, levantamos a hipótese de que uma espécie de ideologia do negro inserido não só silencia uma tensão histórica entre a importação de valores liberais e a sua incorporação na lógica específica da colônia, como fortalece os contornos do que passa a caracterizar as relações específicas de dominação nesta lógica, em situações como o clientelismo, o apadrinhamento, e uma série de interações sociais calcadas no favor (Schwarz, 2000). Abordamos o tema a partir do exercício hermenêutico sobre textos de intelectuais cuja produção foi condicionada também pelas diretrizes do Estado-Nação liberal (Ortiz, 2005), como Joaquim Nabuco, Eduardo Prado e Affonso Celso..