Da perda trágica da irmã - brutalmente assassinada pelo próprio pai – até a diáspora hibridizante e forçada do sertão à cidade, a saga de Valdirene Gomes e sua família em Pelas Frestas do Telhado, de Márcio Ribeiro Leite, culmina, nos anos iniciais, com um misto de dor, morte, vácuo existencial, fome, abandono, resistências e muita cooperação. Ressurgem na miséria de um buraco fétido – lugar onde moraram, na cidade grande, inicialmente - porque são potências, rizomas, típicos da multidão, segundo o olhar de Deleuze e Guattari (1997), Virno (2013) e Martín-Barbero (2003). É nesta perspectiva que se propõe este artigo: investigar - à luz da saga de fome e abandono a que são submetidos Valdirene Gomes e família, na cidade, – de que forma a obra literária em análise, do ponto de vista estético, media relações humanas que imbricam solidariedade, cooperação, poder, luta, sofrimento, opressão, (des)territorialização e afeto, sempre com um olhar nas multidões, nos marginais margeantes. Para tal, busca-se, à luz do conceito de multidão, enquanto potência, rizoma, de Deleuze e Guattari (1997), refletir, sobremaneira, acerca das cooperações e resistências que impõem e contingenciam as ações de Valdirene e suas irmãs mais velhas a sobreviverem em meio à multidão, entendida esta, segundo Benjamim (1975), como “trama, entrelaçamento de submissões e resistências, impugnações e cumplicidades.” Partindo-se de uma metáfora, proposta pela própria Valdirene – ao prenunciar a morte de uma de suas irmãs: “A névoa do pântano da morte nos envolveu outra vez. Uma tristeza inundou meu espírito. Vi o pouso desconcertante de um pardal no parapeito de minha janela” – denota-se serem Valdirene e suas irmãs pardais, urubus urbanos, marginais, os malditos, ameaças constantes, resistentes e predadores, cinzas como o concreto das edificações urbanas, mas solidários e cooperantes, jogadas no coração dos espaços de poder que, juntos, reagirão.