Em 1801, três anos depois do lançamento de seu livro escrito em parceria com o amigo e mentor Samuel Taylor Coleridge, o poeta William Wordsworth decide publicar um prefácio para esclarecer quais foram os pressupostos teóricos e estéticos dos quais partiu para fazer Baladas líricas. Apesar de afirmar não querer parecer empenhado na esperança tola de convencer o leitor a aprová-lo, ele compartilha, em seu prefácio, sua visão sobre o que é poesia – de que assunto ela deve tratar, de que maneira e com que propósito –, quem é o poeta e para quem ele fala. Dois dos maiores escritores românticos ingleses, representantes da fina flor da intelectualidade britânica, Coleridge e Wordsworth, em seu livro de estreia, se voltavam para a natureza e para a vida simples das pessoas comuns em busca das formas belas e permanentes da natureza, que ali estariam melhor reveladas. Segundo Wordsworth, a linguagem destes homens comuns, da qual ele se apropriava, depois de purificada de seus defeitos, teria a capacidade de exprimir paixões mais essenciais do que aquelas expressas através da linguagem artificial e rebuscada largamente adotada pelos poetas de sua época. A eleição destes novos temas e linguagem seria feita pelo Poeta – um homem cuja sensibilidade seria superior à dos demais. Sua poesia seria capaz de despertar nas pessoas a capacidade de se entusiasmar com a beleza e a dignidade da mente humana numa época em que a vida moderna, a acumulação dos homens nas cidades e a uniformidade de suas ocupações reduziam as mentes das pessoas a um estágio de torpor quase selvagem. No final da segunda faixa do DVD Mil Trutas, Mil Tretas, “Fórmula Mágica da Paz”, Mano Brown se dirige à plateia e diz: “Zona Leste,/ Não se acostuma com esse cotidiano violento porque essa vida não foi feita pra você, rapaz/ Você foi feito pra correr nos campo, andar de cavalo no meio de criança, cachorro, velho – entendeu, rapaz? – flores, natureza, rios, água limpa pra beber, rapaz/ Essa foi a vida que Deus preparou pra você, mas o ser humano é ambicioso, ele estragou tudo/ [...] vamo vivendo esse é o caos, esse é o mundo em que você convive hoje, século XXI/ Com a geração do século XXI – Que que você vai fazer pra mudar? Cruzar os braço e reclamar ou você vai ser a revolução em pessoa?” Em diversos momentos – como esse – o assunto e a linguagem da poesia do Racionais MC`s se assemelham àqueles do romantismo europeu do século XIX: a natureza, a vida do homem comum, sua linguagem – dessa vez sem purificações. Talvez as semelhanças acabem por aí. Mas, talvez, possamos aproveitar a estrutura do prefácio de Wordsworth e perguntar: dessa vez – São Paulo, século XXI – quem é o poeta? Para quem ele fala? Qual é o propósito da poesia do Racionais? Para tentar responder tais perguntas, olharemos mais de perto três canções: "Diário de um Detento", "Negro Drama" e "Vida Loka – Parte II", tomando de auxílio outras canções e performances do grupo.